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O futuro do procedimento arbitral quando os recursos financeiros acabam e o litígio é um mau investi

Daniel Becker Paes Barreto Pinto, advogado, pós-graduando em Direito Público pela Fundação Getúlio Vargas, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, 1º Vice-Presidente do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.

Renata da Gama Cruz Luz, graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, membro do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.





O third party funding, uma das principais novidades em resolução de disputas e em crescimento expressivo nos últimos anos, tem sido amplamente apontado como saída para um dos grandes vilões da arbitragem: o alto custo[1]. Em síntese, uma das partes é financiada por um terceiro – geralmente um fundo de investimentos - que adianta as custas do procedimento, como honorários dos árbitros e eventuais taxas de câmaras de arbitragem, e, em contrapartida, recebe parcela do êxito obtido pelo financiado no caso de desfecho favorável[2].

Vale pontuar, entretanto, que o third party funding é um investimento, e não um empréstimo[3], já que o financiador assume o risco de não obter retorno no caso de sentença desfavorável[4]. Assim, o cenário ideal para o third party funding é aquele em que o prognóstico do procedimento é previsivelmente favorável à parte financiada, e no qual a sentença será exequível. Para tanto, como ocorre na administração de seguros e fundos de pensão[5], é importante que seja realizado um cálculo atuarial, a fim de que os riscos e expectativas sejam visualizados de forma científica.

Inúmeras arbitragens no Brasil[6] e no exterior só foram possíveis graças ao financiamento[7].

No entanto, nem sempre a solução para a falta de recursos em uma arbitragem é simples. O que fazer quando não há possiblidade de financiamento? Muitas vezes o contexto não é favorável para a adoção do third party funding, seja pela baixa expectativa de êxito ou porque a sentença será de difícil execução[8]. Nesse sentido, o caso Tillman v. Rheingold, decidido pela US Court of Appeal of the Ninth Circuit, que abrange os distritos da costa oeste dos Estados Unidos, mostrou outra saída para a insuficiência de fundos de uma das partes em um procedimento arbitral.

Para entender o caso, é importante revolver ao limiar da disputa. Renee Tillman, recém-viúva, contratou o escritório de advocacia Rheingold, Valet, Rheingold, Shkolnik LLP para processar o fabricante do caminhão que seu marido dirigia quando faleceu. Após, o feito foi sentenciado e Renee ganhou a ação, tendo o fabricante de caminhão sido condenado ao pagamento de oito milhões de dólares – valor este que veio a ser reduzido em sede de recurso de apelação para quatro milhões e meio de dólares.

Seis anos mais tarde, Sean Tillman, filho do primeiro casamento do Sr. Tillman, processou a sua madrasta, a Sra. Tillman, por não incluí-lo no pólo ativo da ação contra o fabricante do caminhão que seu pai dirigia. Na sequência, Renee distribuiu ação contra o escritório Rheingold por ter agido com negligência ao não inserir seu enteado na disputa.

Adiante, em resposta à pretensão, o escritório suscitou a existência de cláusula de arbitragem no contrato de honorários firmado com a Sra. Tillman. Assim, a corte distrital suspendeu o processo, ordenando que as partes resolvessem a disputa em um procedimento arbitral. Dessa forma, a banca de advocacia e a Sra. Tillman, agora assessorada pelo escritório Dempsey & Johnson PC, iniciaram procedimento arbitral em Nova Iorque, sob as regras da American Arbitration Association – AAA, como previa a convenção de arbitragem.

Em que pese a Sra Tillman ter sido agraciada pela sentença condenatória proferida na ação de responsabilidade civil pela morte de seu marido, ela não tinha fundos para arcar com os custos do procedimento arbitral, tendo gastado toda a indenização com custas processuais, débitos educacionais, melhorias na sua casa e cobrindo dívidas que seu marido havia contraído com apostas. Dessa forma, Renee, muito embora já tivesse tomado empréstimos e acordado que seu novo advogado adiantaria alguns custos procedimentais, ficou impedida de realizar um dos depósitos exigidos pela AAA[9], no valor de U$ 18.562,50, impossibilitando, assim, o prosseguimento da arbitragem.

Diante disso, o Tribunal Arbitral permitiu que o escritório Rheingold cobrisse as despesas faltantes. Contudo, a banca se recusou a realizar o adiantamento, o que culminou no encerramento do procedimento arbitral por falta de pagamento das taxas administrativas. Na sequência, o escritório voltou à corte distrital de Nova Iorque se utilizando do disposto na regra 41-B[10] da Federal Rule of Civil Procedure, que prevê que, se o autor falhar em obedecer a uma ordem judicial, o réu poderá recusar a ação e qualquer reclamação contra ele. Resumidamente, a banca de advocacia utilizou o dispositivo no intuito de sustentar que a incapacidade da Sra. Tillman para pagar as custas do procedimento representaria uma violação à ordem judicial proferida pela corte para que as partes prosseguissem com a arbitragem.

A Sra. Tillman impugnou o pedido, alegando que, muito embora não tenha conseguido arcar com as despesas, participou e fez tudo o que estava ao seu alcance para dar continuidade ao procedimento arbitral, e que, ademais, o escritório requerido também tinha culpa na interrupção do procedimento arbitral, já que se recusou a cobrir o depósito remanescente.

A impugnação foi rejeitada pelo juiz monocrático. Irresignada, a Sra. Tillman apelou para a Corte de Apelações do Nono Distrito (US Court of Appeal of the Ninth Circuit), a qual, em sede recursal, autorizou que a sua pretensão fosse apreciada pelo Poder Judiciário, a despeito da existência de convenção de arbitragem. Assim, a Corte de Apelações revogou a suspensão da ação deferida no início do processo judicial. Confira-se trecho da decisão:

“As Tillman’s arbitration terminated before the merits were reached or any award issued, allowing her case to proceed in district court is the only way her claims will be adjudicated.”[11]

Como fundamento, a Corte utilizou o precedente Lifescan, Inc. v. Premier Diabetic Servs., Inc.[12], especificamente sobre a aplicação do § 3º do Federal Arbitration Act ­- FAA, o qual dispõe que os procedimentos judiciais devem ser suspensos “until such arbitration has been had in accordance with the terms of the agreement”[13]. Nessa decisão, os julgadores entenderam que as regras da AAA[14] permitem que os árbitros ponham fim ao procedimento arbitral no caso de falta de pagamento das taxas administrativas, considerando que, nessas situações, a arbitragem terá ocorrido de acordo com a vontade das partes.

A corte ressaltou, ainda, que a sua decisão não significa que a parte que se recusar a pagar os custos de um procedimento arbitral poderá se esquivar da convenção de arbitragem, destacando que, se a Sra. Tillman tivesse condições de pagar pelo procedimento, ela seria obrigada a arbitrar, na forma do § 4º do FAA.

Como em Tillman v. Rheingold não houve third party funding, a saída encontrada pela Corte de Apelações para solucionar o empasse criado pela presença simultânea da convenção de arbitragem e da incapacidade financeira da Sra. Tillman foi a supressão do efeito negativo[15] da cláusula compromissória, o que permitiu que o conflito delimitado entre as partes, que antes poderia apenas ser submetido à arbitragem, agora pudesse ser analisado pelo Poder Judiciário.

Como se vê, nem sempre o third party funding soluciona os problemas referentes à falta de recurso das partes, uma vez que depende da vontade de um terceiro, que, após analisar os riscos do investimento, aportará capital ou não no procedimento de arbitragem. Atualmente, a arbitragem no Brasil ainda está, na maior parte, restrita a contratos de grande porte. Contudo, na medida em que o instituto se expandir e mais usuários aderirem a ele, a insolvência no curso do procedimento arbitral será um problema a ser enfrentada pelos especialistas e, certamente, a decisão proferida no caso Tillman v. Rheingold representa uma solução criativa e orientadora para uma questão aparentemente irresolúvel.






[1] GOELER, Jonas von. Third-Party Funding in International Arbitration and its Impact on Procedure. International Arbitration Law Library 35 - Kluwer Law International, 2016, p. 1


[2] SHANNON, Victoria; NIEUWVELD, Lisa Bench. Third-Party Funding in International Arbitration. Kluwer Law International, 2012, p. 3; FILHO, Napoleão Casado. Arbitragem comercial internacional e acesso à justiça: o novo paradigma do Third Party Funding. 2015. 231 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015, p. 91.


[3] MANIRUZZAMAN, Munif. Third-Party Funding in International Arbitration – A Menace or Panacea? Kluwer Arbitration Blog. Disponível em: http://kluwerarbitrationblog.com/2012/12/29/third-party-funding-in-international-arbitration-a-menace-or-panacea/. Acesso em 20 de set.2016.


[4] BREKOULAKIS, Stavros. The Impact of Third Party Funding on Allocating for Costs and Security for Costs Appplications: The ICCA-Queen Mary Task Force Report. Queen Mary University of London, 2016. Disponível em: http://kluwerarbitrationblog.com/2016/02/18/the-impact-of-third-party-funding-on-allocation-for-costs-and-security-for-costs-applications-the-icca-queen-mary-task-force-report/. Acesso em 19 de set. 2016.


[5] TORRES, Sandro Bezerra Torres; ALMEIDA, Jonas Moreno de Andrade de. Importância do cálculo atuarial na fiscalização das autarquias de previdência prórpria pelos tribunais de contas. Revista TCE-PE, v. 18, n. 18, Recife, 2011, p. 168


[6] MARTINES, Fernando. Financiamento de arbitragem por terceiros ganha a atenção de câmara em SP. Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-ago-06/financiamento-arbitragem-terceiros-ganha-atencao-camara#author. Acesso em 21 de set. 2016.


[7] HONLET, Jean-Christophe. Recent decisions on third-party funding in investment arbitration. ICSID Review, Vol. 30, No. 3 (2015), pp. 699-712.


[8]PAJIC, Jelena Bezarević; DORDEVIC, Nataša Lalatović. Security for Costs in Investment Arbitration: Who Should Bear the Risk of an Impecunious Claimant? Kluwer Arbitration Blog. Disponível em: http://kluwerarbitrationblog.com/2016/08/09/security-for-costs-in-investment-arbitration-who-should-bear-the-risk-of-an-impecunious-claimant/?_ga=1.226457818.1570839591.1466184900. Acesso em 21 de set.2016.


[9] “R-53. Administrative Fees

As a not-for-profit organization, the AAA shall prescribe administrative fees to compensate it for the cost of providing administrative services. The fees in effect when the fee or charge is incurred shall be applicable. The filing fee shall be advanced by the party or parties making a claim or counterclaim, subject to final apportionment by the arbitrator in the award. The AAA may, in the event of extreme hardship on the part of any party, defer or reduce the administrative fees.”


[10] “Rule 41. Dismissal of Actions:

(...)

(b) Involuntary Dismissal; Effect. If the plaintiff fails to prosecute or to comply with these rules or a court order, a defendant may move to dismiss the action or any claim against it. Unless the dismissal order states otherwise, a dismissal under this subdivision (b) and any dismissal not under this rule—except one for lack of jurisdiction, improper venue, or failure to join a party under Rule 19—operates as an adjudication on the merits.”


[11] Tillman v. Rheingold, Valet, Rheingold, Shkolnik & McCartney, No. 13-56624 (9th Cir., June 15, 2016)


[12] Lifescan, Inc. v. Premier Diabetic Servs., Inc., 363 F.3d 1010, 1012–13 (9th Cir. 2004)


[13] “9 U.S.C §3:

If any suit or proceeding be brought in any of the courts of the United States upon any issue referable to arbitration under an agreement in writing for such arbitration, the court in which such suit is pending, upon being satisfied that the issue involved in such suit or proceeding is referable to arbitration under such an agreement, shall on application of one of the parties stay the trial of the action until such arbitration has been had in accordance with the terms of the agreement, providing the applicant for the stay is not in default in proceeding with such arbitration.”

[13] Tillman v. Rheingold, Valet, Rheingold, Shkolnik & McCartney, No. 13-56624 (9th Cir., June 15, 2016)


[14] “R-57. Remedies for Nonpayment

If arbitrator compensation or administrative charges have not been paid in full, the AAA may so inform the parties in order that one of them may advance the required payment.

(…)

(f) If the arbitration has been suspended by either the AAA or the arbitrator and the parties have failed to make the full deposits requested within the time provided after the suspension, the arbitrator, or the AAA if an arbitrator has not been appointed, may terminate the proceedings.”


[15] GAILLARD, Emmanuel; SAVAGE, John. Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration. Haia: Kluwer Law International, 1999, p. 381.


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