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Decisão do STJ estende a Clausula Compromissória Arbitral do Contrato Principal aos Contratos Interl

No último dia 18 de setembro, a 3º Turma do STJ, em julgamento de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, firmou importante precedente acerca do entendimento e interpretação de cláusulas compromissórias arbitrais, ao apreciar recurso especial envolvendo a empresa Paranapanema e os bancos BTG Pactual e Santander (REsp n° 1.639.035).

O litígio em questão versava sobre controvérsia acerca da extensão da eficácia da convenção arbitral constante do contrato principal de abertura de crédito aos contratos de swap, em face da coligação negocial. O certame surgiu a partir da consubstanciação de um empréstimo de R$ 200 milhões da Paranapanema junto aos bancos Santander e BTG Pactual para restruturação da empresa.

As discussões acerca da extensão dos efeitos da convenção de arbitragem são recorrentes na doutrina e na jurisprudência, seja pela existência de cláusulas compromissórias “vazias”, com definições por demais insuficientes para a instauração do procedimento arbitral, quanto pela complexidade dos contratos que envolvem interligações e interdependências, o que dificulta a sua interpretação.

Apesar de renomados doutrinadores debaterem sobre o tema, embasados, principalmente, nos precedentes internacionais, os quais reconhecem a possibilidade de extensão dos efeitos da cláusula compromissória, quando, preenchidos determinados requisitos, somente agora temos um precedente sobre o tema. Basicamente a cláusula compromissória se estenderá quando uma sociedade do grupo a insere em seu contrato principal trazendo, com isso, a possibilidade de envolver outros contratos interdependentes e interligados que efetivamente possuam relevância no contrato principal.

São considerados contratos interligados e interdependentes aqueles que possuem elementos comuns entre si — seja um dos polos, que possibilita a interação entre eles, seja a finalidade equivalente, que traz essa interdependência. Tal condição é comumente identificada nas relações entre um contrato principal e seus diversos subsidiários, que, apesar de ostentarem certa autonomia individual, seguem as diretrizes e determinações estipuladas no contrato principal.

Considerando o exposto podemos trazer as palavras de Flavio Tartuce sobre o tema:

"Diante do princípio da gravitação jurídica, pelo qual o acessório segue o principal, tudo o que ocorre no contrato principal repercute no acessório. Desse modo, sendo nulo o contrato principal, nulo será o acessório; sendo anulável o principal o mesmo ocorrerá com o acessório; ocorrendo prescrição da dívida do contrato principal, o contrato acessório estará extinto; e assim sucessivamente."[1]

Da mesma forma, corrobora com o apresentado a manifestação de Carlos Konder:

"O conceito de contratos conexos é bastante abrangente e pode ser descrito - mas não definido - pela utilização de uma pluralidade de negócios para a realização de uma mesma operação econômica"[2]

Assim, podemos concluir que a interpretação preliminar transmitida no momento da celebração de um contrato que se submete a cláusulas que regem outro contrato é a de que ambos estejam intrinsecamente vinculados. Dessa forma, se no contrato principal as partes, através da sua autonomia de vontade, celebraram uma cláusula compromissória, pressupõe-se a extensão desta a todos os contratos a ele dependentes.

Precedentes internacionais

O posicionamento internacional sobre o tema, há muito, compartilha do entendimento expressado acima. Como exemplo, podemos destacar as considerações de Philippe Leboulanger, que sustenta a possibilidade de os árbitros ampliarem sua competência a contratos conexos caso a intenção das partes e a finalidade das relações se mostrem interdependentes[3]. Já no direito francês, tal colocação é corroborada pelas manifestações de Daniel Cohen[4].

No âmbito dos regulamentos das instituições arbitrais, destaca-se o posicionamento da CCI (Câmara de Comércio Internacional de Paris), que prevê a possibilidade da aceitação da convenção de arbitragem por uma sociedade do grupo ensejar o envolvimento das outras companhias, caso tenham desenvolvido papel relevante na negociação, celebração e execução do contrato.

“3 - Caso alguma das partes contra a qual uma demanda é formulada não apresente uma resposta, ou caso qualquer parte formule uma ou mais objeções quanto à existência, validade ou escopo da convenção de arbitragem ou quanto à possibilidade de todas as demandas apresentadas serem decididas em uma única arbitragem, a arbitragem deverá prosseguir e toda e qualquer questão relativa à jurisdição ou à possibilidade de as demandas serem decididas em conjunto em uma única arbitragem deverá ser decidida diretamente pelo tribunal arbitral, a menos que o Secretário Geral submeta tal questão à decisão da Corte de acordo com o artigo 6°(4).” [5]

Para tanto, cita-se o seguinte trecho da decisão proferida em 21 de outubro de 1983 no caso CCI 4131 (lsover Saint-Gobain versus Dow Chemical):

(...)"Na sequência de uma interpretação autônoma do acordo e dos documentos trocados no momento da sua negociação e rescisão, os árbitros decidiram, por motivos pertinentes e não contraditórios, de acordo com a intenção comum a todas as empresas envolvidas, que a DOW CHEMICAL FRANCE e a DOW CHEMICAL COMPANY participaram desses acordos, embora não os assinassem efetivamente e, portanto, a cláusula compromissória também lhes era aplicável;” [6]

No mesmo sentido, destaca Arnoldo Wald, ao relatar tal precedente:

(...) a cláusula compromissória expressamente aceita por determinadas sociedades do grupo deve vincular as outras sociedades que, em virtude do papel que tiveram na conclusão, na execução ou na resilição dos contratos contendo as referidas cláusulas e, de acordo com a vontade comum de todas as partes do procedimento, aparentam terem sido verdadeiras partes nos contratos, ou terem sido consideravelmente envolvidas pelos mesmos e pelos litígios que deles podem resultar"[7]

Entendimento do STJ

O ministro relator, ao apreciar o recurso especial em questão, corroborou com as decisões proferidas tanto pelo Juiz de 1ª Instância, quanto pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que rechaçaram o arrazoado sobre a invalidade da arbitragem por ausência de vinculação à cláusula compromissória. A elucidação sobre seu parecer se baseia no fato de que o contrato de abertura de crédito e os contratos de swap são interligados e interdependentes, de modo que o primeiro configura o pacto principal e os demais, acessórios.

O caso concreto após acurada e meticulosa análise, tanto pelo juízo de 1º grau, quanto pela Terceira Turma do STJ, pode evidenciar a interdependência entre o contrato principal, portador das determinações e regras que deverão ser empregues nos demais contratos vinculados a ele, e os contratos acessórios, onde, mesmo gozando de autonomia e até mesmo eleição de foro, surge evidente e perceptível a possibilidade de extensão da cláusula compromissória prevista no contrato principal aos contratos de swap, eis que vinculados a uma única operação econômica.

Desta maneira, trazemos as palavras lavradas no referido Acórdão:

“No sistema de coligação contratual, o contrato reputado como sendo o principal determina as regras que deverão ser seguidas pelos demais instrumentos negociais que a este se ajustam, não sendo razoável que uma cláusula compromissória inserta naquele não tivesse seus efeitos estendidos aos demais.”

Desse modo, o STJ entendeu que a cláusula de eleição de foro prevista nos contratos acessórios deveria ser interpretada como uma forma subsidiária de atendimento a uma possível demanda decorrente daquele instrumento.

Conclusão

O mercado dita regras subjetivamente em muitos setores de nossas vidas, no campo do judiciário perduramos na constante busca por celeridade e equidade nas demandas, hodiernamente vivenciamos um momento em que a tendência por decisões mais homogêneas vem quebrando fronteiras, culturas e tabus. A globalização e o mundo virtual, que ditam o nosso dia a dia, estão, cada vez mais, estreitando fronteiras, alicerçando negociações entre empresas e povos, antes inviabilizadas por questões logísticas e corriqueiras.

No Brasil esta necessidade de adequação vem trazendo paradigmas cada dia mais presentes no cotidiano de gestores, executivos e operadores do Direito, pois a demora dos legisladores e do processo legislativo acabam por abarcar o constante uso da jurisprudência, que se mostra extremamente mais célere sobre questões ainda não legisladas, porém, com isso, o poder judiciário acaba por interferir diretamente sobre o legislativo, uma vez que vem legislando em seu lugar.

Com decisões como essa que acabamos de examinar podemos vivenciar o crescimento da arbitragem e seu reconhecimento perante os Tribunais de Justiça brasileiros, elevando progressivamente o desenvolvimento da arbitragem.

Bibliografia

Migalhas - quarta-feira, 19/09/2018 - Informativo nº 4.444 - https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI287716,91041-STJ+Clausula+compromissoria+arbitral+em+contrato+principal+estendese

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3ºEd. São Paulo: Atlas. 2009.

KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

MUNIZ, Joaquim de Paiva. Curso Básico de Direito Arbitral. 4ª Ed. Curitiba: Editora Juruá, 2017.

TARTUCE, Flávio. Direito civil, V 3: Teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

WALD, Arnoldo e LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem Comercial Internacional - a Convenção de Nova Iorque e o Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011.

[1] TARTUCE, Flávio. Direito civil, V 3: Teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 12ª Ed. Editora Forense, Rio de Janeiro 2017, p. 58

[2] KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 275

[3] Multi-Contract Arbitration, journal of International Arbitration, Kluwer Law International, 1996, v.13, issue 4, p. 43-97

[4] Arbitrage et groupes de contrats, Revue de I'arbitrage, Comité Français de I'Arbitrage, 1997, v. 1997, issue 4, p. 471-504

[5] https://cdn.iccwbo.org/content/uploads/sites/3/2017/02/ICC-2017-Arbitration-and-2014-Mediation-Rules-portuguese-version.pdf, Artigo 6º, p. 18

[6] https://www.trans-lex.org/204131/_/icc-award-no-4131-yca-1984-at-131-et-seq-/

[7] WALD, Arnoldo. A arbitragem, os grupos societários e os conjuntos de contratos conexos. in Revista de Arbitragem e Mediação, 2:31-59, esp. p. 33

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