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In with the old, out with the new: o recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre ar

Daniel Becker Paes Barreto Pinto, advogado, pós-graduando em Direito Público pela Fundação Getúlio Vargas, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, 1º Vice-Presidente do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.

Frederico Becker Paes Barreto Pinto, graduando em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, e membro do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.


Em setembro de 2016, o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, anulou uma cláusula de arbitragem prevista em contrato de franquia pela falta de observância do artigo 4º, §2º, da Lei de Arbitragem, que trata de contratos de adesão. Contudo, para melhor compreensão, é interessante observar alguns dados históricos relativos ao instituto do franchising[1].

O sistema de franquia, mesmo que de forma embrionária, pôde ser observado nas relações comerciais antes mesmo da formação dos estados modernos. Diz-se isso, pois seu nome tem origem nas chamadas "cidades francas", centros urbanos isentos de impostos, onde, dada tal situação, a atividade econômica se expandia a níveis até então jamais registrados. Uma cidade franchisée era aquela que permitia a livre circulação de pessoas e bens[2].

A guinada dos contratos de franquia, entretanto, só se deu no século XX, após a Segunda Guerra Mundial, durante a recuperação econômica norte-americana[3], onde empresas como Coca-Cola, General Motors e Mc Donald's, através da celebração de contratos de franquia com parceiros comerciais pelo globo, alavancaram sua atividade comercial.

Como se observa facilmente, o sistema de franchising, historicamente, sempre se deu entre pequenos e grandes empresários, em que o primeiro percebe maiores possibilidades de sucesso, em razão da maior confiabilidade do mercado em um produto ou serviço elaborado pelo segundo, já testado e aprovado pelo consumidor. Por outro lado, o franqueado promove a divulgação e expansão de uma marca ou produto. Trata-se de verdadeira relação de mutualismo[4].

O caso aqui debatido tem origem na discussão entre a franqueada Odontologia Noroeste Ltda. e o franqueador Grupo Odontológico Unificado Franchising Ltda. - GOU, em que aquela ajuizou em face desta ação por meio da qual objetivava anulação do contrato de franquia, ou, subsidiariamente, sua rescisão, com a condenação da ré à devolução das taxas de franquia e de royalties até então pagos. A ação foi distribuída para a 1ª Vara Cível de Araçatuba, Estado de São Paulo, e registrada sob o número 4002074-09.2013.8.26.0032.

A causa de pedir da parte autora consistia em supostos descumprimentos nas contraprestações contratuais da GOU, bem como os prejuízos que tais violações teriam ocasionado.

Nas primeiras linhas de sua contestação, o GOU formulou pedido preliminar de extinção do feito, sem julgamento do mérito, uma vez que o contrato firmado entre as partes continha cláusula de arbitragem cheia, válida e eficaz. Contudo, ao sanear o feito, o juízo anulou a convenção de arbitragem, nos seguintes termos:

"[a]fasto a preliminar de convenção de arbitragem. O contrato apresentado é de adesão, tanto que conta com o logotipo da franqueadora, e assim, a aderente não tem condições de discutir o seu conteúdo".

Contra a referida decisão, o GOU interpôs agravo de instrumento, provido pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. A câmara entendeu, por bem, extinguir o processo sem a resolução do mérito, uma vez contratualmente convencionada a arbitragem e suscitada a preliminar de incompetência em contestação, era imperioso reconhecer a incompetência absoluta da Justiça Estadual Comum para decidir sobre a validade da cláusula.

A parte Odontologia Noroeste Ltda., determinada a transpor a cláusula de arbitragem e a anular o referido contrato perante o Poder Judiciário, interpôs recurso especial, capitulado nas alíneas “a” e “c” do artigo 105, inciso III, da Constituição da República, suscitando violação aos artigos 4º, 8º e 20 da Lei nº 9.307/96, artigos 2º, 51, VII e 54 do CDC, art. 3º da Lei 8.955/94, art. 166, IV do Código Cívil, bem como aos artigos 114, 131, 165, 267, VI, 458, II, 525, 526 e 535, I e II do CPC/73.

O voto, lavrado pela Ministra Andrighi, tomou o rumo de definir se os contratos de franquia são contratos de adesão e, portanto, sujeitos ao que dispõe o art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96[5]. O primeiro ponto crítico dessa decisão é que o STJ desconsiderou, de plano, o princípio da autocompetência (kompetenz-kompetenz), previsto no parágrafo único do artigo 8º da Lei de Arbitragem, decidindo sobre a validade da cláusula, quando, legalmente, caberia a um árbitro fazê-lo mediante a afirmação de que se tratava de cláusula nula prima facie.

O voto da Ministra Nancy Andrighi parte de uma premissa meramente jurisprudencial, que inexiste em lei, para afirmar que “o contrato de franquia ou franchising é inegavelmente um contrato de adesão”. O fato de que, via de regra, as cláusulas contratuais no sistema de franchising não são amplamente discutidas é uma premissa controversa, afinal, a modalidade contratual é sempre pactuada por empresários, franqueado e franqueador, cujo objeto, a franquia, tem como única finalidade o lucro. É, no mínimo, ousado afirmar que todo e qualquer contrato dessa modalidade possui natureza não paritária. Ademais, a forma eleita para resolução de disputas no contrato faz parte da equação econômico-financeira do contrato.

Por outro prisma, a decisão da Ministra andou bem ao afastar a incidência do CDC ao contrato de franquia, pois, no caso, “não há relação de consumo, mas de fomento econômico”. A despeito disso, é inegável que o precedente acanhou a arbitrabilidade nos contratos de franquia.

Curiosamente, a jurisprudência pregressa do STJ vinha caminhando em sentido contrário ao entendimento da ilustre Ministra. Em março de 2010, em uma disputa entre franqueador e franqueado no Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, em que se discutia o foro competente, a 4ª Turma do STJ, seguindo voto do relator, ministro Aldir Passarinho Junior, concluiu que a competência para processar e julgar esse tipo de ação é daquele livremente escolhido pelas partes[6].

Não destoa muito desse julgado o entendimento do Ministro Sidnei Beneti da 3ª Turma do STJ, que, seguindo a premissa de inaplicabilidade do CDC aos contratos de franquia, votou, em disputa também instaurada entre franqueador e franqueado perante o Tribunal de Justiça do Estado Mato Grosso em 2011, pelo não acolhimento da alegação de abusividade da cláusula de eleição de foro ao só argumento de que se tratava de um contrato de adesão[7].

Na esteira das decisões acima, é perfeitamente plausível deduzir que o voto de Nancy Andrighi pode simbolizar um presságio de uma nova – e preocupante - era, no que tange à abordagem da cláusula de eleição de foro inserida nos contratos de franquia, adotando a corte superior, a partir dessa recente decisão, uma postura mais protecionista em relação ao franqueado.

É necessário ter em mente que, no âmbito da legislação brasileira, muito embora a modalidade contratual de franquias seja regida por lei especial, a Lei nº 8.955/1994, é perfeitamente plausível, em razão da diminuta extensão dos onze artigos da referida lei, afirmar que o legislador abriu diversas lacunas, a fim de que a lex mercatoria regulasse a prática do franchising. No entanto, esse vão legislativo que, por certo, objetivava a flexibilização dessas relações, acabou por dar extensa margem para a intervenção judicial.

De todo modo, a decisão é um verdadeiro alerta para os players do mercado de franquias, que, ao optarem pela arbitragem, deverão observar e respeitar, de maneira estrita, as previsões do art. 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem, sob pena de anulação da convenção de arbitragem.




[1] REsp 1.602.076/SP, Rel. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 30/09/2016.


[2] GIGLIOTTI, Batista Salgado. Transferência de conhecimento nas franquias brasileiras. 2010. 117f.. Dissertação (Mestrado em Administração) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo.


[3] ABRÃO, Nelson. A lei da franquia empresarial (N. 8.955, de 15.12.1994). Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, dezembro de 2010.


[4] CRUZ E CREUZ, Luís Rodolfo; OLIVEIRA, Bruno Batista da Costa de. Indenizações no sistema de franquia empresarial. Revista dos Tribunais, vol. 852. São Paulo: Revista dos Tribunais, outubro de 2006.


[5] “Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.(...)

§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”.


[6] REsp 632.958/AL, Rel. Ministro Aldir Passarinho, 4ª Turma, julgado em 29/03/2010.


[7] REsp 930.875/MT, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 3ª Turma, julgado em 14/06/2011.


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