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A alvorada dos dispute resolution boards no Brasil

Daniel Becker Paes Barreto Pinto, advogado, pós-graduando em Direito Público pela Fundação Getúlio Vargas, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, 1º Vice-Presidente do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.

João Pedro Brígido Pinheiro da Silva, graduando em Direito pela Universidade Federal Fluminense - UFF.


Os dispute resolution boards – ou comitês de resolução de controvérsias – consistem na nomeação de uma junta de técnicos e juristas da confiança das partes, incumbida de acompanhar a performance de determinado contrato e emitir decisões e pareceres sobre a sua execução[1]. Esse meio de compor conflitos já é utilizado com certa frequência em diversos países do mundo e, finalmente, começa a eclodir no Brasil.

Para se ter ideia da relevância internacional que o mecanismo detém, o Banco Mundial condiciona o financiamento de obras de grande porte (acima de U$ 50 milhões) à adoção de cláusula que preveja a existência de um dispute resolution board no contrato firmado entre o construtor e o tomador da obra[2].

Por aqui, já é possível perceber alguns indicadores que revelam o crescimento do instituto, como, por exemplo, a sua aplicação nos contratos de infraestrutura firmados pelo comitê organizador dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Por se tratar de evento de grande magnitude, inadiável e necessariamente impecável, prevenir conflitos era a palavra de ordem. Por isso, a utilização dos comitês de resolução de controvérsias durante as Olimpíadas foi um verdadeiro sucesso: apenas um conflito foi instaurado ao longo do período de mobilização, tendo sido rapidamente resolvido pelo dispute board.

Na mesma esteira corre o Conselho da Justiça Federal que, na I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos, produziu alguns enunciados no sentido de reconhecer juridicamente as decisões proferidas pelos dispute boards, promovendo o debate sobre este método alternativo de resolver conflitos[3].

Sempre na vanguarda, a Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem – CBMA, por sua vez, assinou termo de cooperação com a Dispute Resolution Board Foundation – DRBF, organização internacional sem fins lucrativos surgida em 1996, cujo principal intuito é auxiliar a feitura de regulamentos e de cláusulas de dispute board para instituições e, notadamente, para as partes contratantes, especialmente em acordos oriundos da construção civil. Com a assinatura do termo de cooperação, o CBMA publicou seu “Regulamento do Comitê de Resolução de Disputas” no dia 12 de setembro de 2016[4].

Historicamente, os dispute resolution boards foram desenhados para acompanhar a execução de contratos de longa duração, tendo aparecido em uma das primeiras vezes nos contratos de construção do Eurotunnel[5], na Europa, e do Eisenhower Tunnel[6], nos Estados Unidos. Nessas obras megalíticas, a dificuldade de execução perfeita imposta pela grandiosidade era indiscutível, razão pela qual se buscou uma forma de prevenir e solucionar da maneira mais célere possível os conflitos que, mais cedo ou mais tarde, necessariamente surgiriam.

Se, por um lado, ambas as construções tiveram problemas, vinculados muitas vezes a exigências que o Poder Público fez no decorrer da obra e que não estavam previstas à época da elaboração de seu projeto; por outra ótica, foi possível perceber que os prazos estabelecidos foram majoritariamente cumpridos. De plano, o que se observa é que as primeiras experiências robustas do instituto significaram que a cláusula de dispute resolution board tinha uma evidente capacidade de garantir a execução das obras e, principalmente, de barateá-las.

Sob o prisma teórico, o comitê de resolução de controvérsias é mecanismo pautado na autonomia da vontade das partes, as quais preveem que os conflitos nascidos de um determinado contrato ou grupo de contratos devem ser submetidos à apreciação de um painel revisional[7]. O dispute board é, por isso, interno ao contrato, ou seja, os seus membros terão a possibilidade de rever os motivos pelos quais nasceu o litígio, recomendar soluções e proferir decisões contratualmente vinculantes.

Como se viu, a tecnologia contratual dos dispute resolution boards surgiu nos contratos de construção, haja vista os inúmeros potenciais claims diretos e indiretos nesse tipo de contrato, uma vez que são, em sua maioria, longos, e de execução continuada e difícil. Além disso, os contratantes geralmente lidam com uma vasta gama de subcontratações cujo inadimplemento pode, em cadeia, comprometer o resultado concreto da obra, objeto do termo original.

No aspecto prático, os comitês atuam em tempo real. Ou seja, os membros do painel acompanham a execução do contrato que o instituiu a fim de solucionar qualquer divergência que possa nascer entre as partes, antes mesmo que aquele problema se transforme em litígio instaurado e de difícil resolução. Seguindo o procedimento padrão, as disputas contratuais são submetidas pelo interessado ao conselho de membros do dispute board, que, de modo colegiado, deverá emitir pareceres recomendatórios às partes ou mesmo proferir decisões que efetivamente fixem obrigações.

Essas decisões, embora não tenham os efeitos de um título judicial, fazem com que a parte que a descumprir tenha o dever concreto de indenizar, incluídos, aí, perdas e danos. Além disso, apesar de não serem diretamente exequíveis, é improvável que essas decisões venham a ser posteriormente revertidas, haja vista terem sido proferidas por especialistas com profundo conhecimento da execução do contrato.

Tome-se, como exemplo, a Dockland Light Railway e a Salted Private Gas Turbine Power Plant, duas construções inglesas de orçamentos de centenas de milhões de dólares, e que se valeram do método. Em ambas as obras, nenhuma disputa foi submetida ao painel de resolução de controvérsias ou à arbitragem[8]. Os motivos para a ausência de conflitos nesses contratos de construção, em que a litigiosidade é inerente, decorrem, sobretudo, da proximidade do painel com as pequenas incongruências que podem surgir entre as partes ao longo da execução da obra.

Desde o começo de uma construção, o comitê está familiarizado com os projetos, plantas, orçamentos, fotografias, relatórios de medição, correspondências. Ademais, a junta decisória acompanha in loco a execução do contrato, lidando com as dimensões do negócio e desenvolvendo as relações com quem o celebrou[9].

Nessa esteira, a agilidade da atuação do comitê, capaz de solucionar os conflitos de imediato, impede a acumulação de demandas, situação bastante comum em arbitragens que envolvem contratos de infraestrutura[10].

Ainda nesse ponto, pode-se notar outra característica manifestamente vantajosa dos comitês: em uma arbitragem, é impossível que o Tribunal Arbitral esteja cem por cento a par da execução do contrato e do dia-a-dia das atividades, seja pela ausência de tempo ou pela dificuldade orçamentária para a realização dessa atividade constante. Isso faz com que os dispute boards possam ser reputados como o método alternativo de controvérsias heterocompositivo mais negocial ou relacional[11], devido à flexibilidade que lhe é inerente. Isso ocorre pois, ao longo da execução de um contrato, e antes da apresentação de uma reclamação, o comitê já vinha trabalhando, emitindo pareceres, recomendações, fazendo avaliações e auxiliando as partes. Como consequência, percebe-se outro ponto vantajoso que esse método alternativo de resolução de conflitos possui: ser verdadeiro facilitador da comunicação franca e da cooperação entre os contratantes.

Segundo dados fornecidos pela DRBF[12], a quantidade média de disputas efetivamente levadas ao board costuma ser de 1,2 por projeto de construção civil, número bastante inferior àquele das disputas que são levadas à arbitragem ou ao Poder Judiciário. Desse modo, tendo em vista que dificilmente as controvérsias se acumulam, a relação tende a ser conservada, sem se deteriorar à medida que pequenos problemas de ordem prática surjam[13].

Sob o aspecto financeiro, nota-se, de modo sintético, que os dispute boards são substancialmente mais baratos do que um procedimento arbitral. Basta conferir algumas informações disponibilizadas pela DRBF referentes a contratos de construção civil e, logo, será visto que uma disputa de construção solucionada por DRB custa entre 0,05% a 0,25% do custo final da obra – o primeiro número em uma execução relativamente pacífica e o segundo em um projeto atormentado[14]. Na arbitragem, por outro lado, esses valores chegam a até 5% do valor do contrato.

Outra grande vantagem dos comitês é a alta chance de êxito que o instituto possui. Dados publicados durante a Dispute Resolution Board Foundation’s Conference, em Houston, no ano de 2009, indicam que mais de 97% (noventa e sete por cento) dos litígios provenientes de contratos de construção submetidos aos painéis foram solucionados com sucesso. Dos 3% que foram levados à arbitragem, 2% foram mantidos e 1% reformados por razões formais, e não de mérito[15].

É possível notar, ainda, fazendo-se breve estudo de direito comparado, que a experiência internacional demonstra que a mera existência dos dispute boards inibe o surgimento de claims inócuos, reduzindo, assim, a potencial litigiosidade contratual[16]. Trata-se de atuação preventiva capaz de impedir que um pequeno impasse seja agravado[17].

Todas essas vantagens abrem, inclusive, possibilidades diversas de utilização do instituto. Em trabalho publicado no início deste ano, o professor Flávio Amaral Garcia sugeriu a inserção dos dispute resolution boards nos contratos de concessão, com especial destaque para a modalidade de concessão de serviço público precedida de obra pública[18]. Afinal, questões recorrentes como o reequilíbrio econômico-financeiro poderiam ser facilmente resolvidas pelo comitê de resolução de conflitos, o qual estaria em total consonância com a tendência moderna, constitucionalista, de uma nova Administração Pública de caráter gerencial[19].

No Brasil, os dispute resolution boards vieram para ficar. Não apenas o panorama econômico para o seu florescimento é fértil, uma vez que a previsão é que o governo invista mais de um trilhão de reais em infraestrutura até 2019[20], como o fato de a atual gestão já ter sinalizado a continuidade e expansão do programa de concessão de obras e serviços públicos para a iniciativa privada deve estimular ainda mais o aquecimento no setor e a necessidade de uma remodelagem da forma de resolução de conflitos na indústria da construção civil.




[1] ROSA, Pérsio Thomaz Ferreira. Os Dispute Boards e os Contratos de Construção. Ferreira Rosa Advogados Disponível em: http://www.frosa.com.br/docs/artigos/Dispute.pdf. Acesso em: 05.11.2016


[2] MARCONDES, Fernando. A Hora e a Vez dos “Dispute Boards” nas Grandes Obras Brasileiras. Revista Direito ao Ponto. Disponível em: http://direitoaoponto.com.br/a-hora-e-a-vez-dos-dispute-boards-nas-grandes-obras-brasileiras. Acesso em: 10.11.2016


[3] Enunciado CJF nº 49 – “Os Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards) são método de solução consensual de conflito, na forma prevista no § 3° do art. 3º do Código de Processo Civil Brasileiro.”; Enunciado CJF nº 76 – “As decisões proferidas por um Comitê de Resolução de Disputas (Dispute Board), quando os contratantes tiverem acordado pela sua adoção obrigatória, vinculam as partes ao seu cumprimento até que o Poder Judiciário ou o juízo arbitral competente emitam nova decisão ou a confirmem, caso venham a ser provocados pela parte inconformada.”; Enunciado CJF nº 80 – “A utilização dos Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards), com a inserção da respectiva cláusula contratual, é recomendável para os contratos de construção ou de obras de infraestrutura, como mecanismo voltado para a prevenção de litígios e redução dos custos correlatos, permitindo a imediata resolução de conflitos surgidos no curso da execução dos contratos.”


[4] CENTRO BRASILEIRO DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM. Regulamento do Comitê de Resolução de Disputas. Disponível em: http://www.cbma.com.br/regulamento_dispute_board. Acesso em: 11.11.2016


[5] WALD, Arnoldo. A arbitragem contratual e os dispute boards. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 6. São Paulo: RT, jul/set. 2006.


[6] VAZ, Gilberto José. NICOLI, Pedro Augusto Gravatá. Os Dispute Boards e os contratos administrativos: são os DBs uma boa solução para disputas sujeitas a normas de ordem pública? Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 38. São Paulo: RT, julset. 2013.


[7] LACRETA, Isabela. Arbitragem Nacional e Internacional – Dispute Boards: o caráter vinculante de suas decisões. Editora Campus Jurídico, 2012, p. 211


[8] CHERN, Cyril. Chern on Dispute Boards. Londres: Blackwell Publishing. 2008, p. 8.


[9] GARCIA, Flávio Amaral. O Dispute Board e os Contratos de Concessão. Direito do Estado. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/flavio-amaral-garcia/o-dispute-board-e-os-contratos-de-concessao - Acesso em: 10.08.16


[10] DEMEYERE, Luc. Alternative dispute resolution. Dispute boards and the new rules of the International Chamber of Commerce (ICC). Journal of International Dispute Resolution Apud WALD, Arnoldo. Dispute resolution boards: evolução recente. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 30. São Paulo: RT, jul/set. 2011.


[11] ARAÚJO, Fernando. Teoria Econômica do Contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 395.


[12] DISPUTE RESOLUTION BOARD FOUNDATION. Introduction to the DRB Database. Disponível em: www.drb.org/database_intro.htm. Acesso em: 18.07.2016.


[13] De acordo com Peter Wolrich, “Dispute Boards are effective because they are present throughout the life of a contract and play an active role in resolving disputes as they arise” (“ICC Dispute Board Rules: practitioners views”, ICC International Court of Arbitration Bulletin, vol. 18, n. 1/2007, p. 44. No mesmo sentido, DEMEYERE, Luc. Alternative dispute resolution. Dispute boards and the new rules of the International Chamber of Commerce (ICC). Journal of International Dispute Resolution 1/23, fev. 2005.


[14] Quanto aos pagamentos realizados aos membros do dispute board, Pierre Genton preceitua que “The best method is therefore to allow the Dispute Board members to confer with each other and put forward a proposal, and not for the parties to try to impose a rate and/or inappropriate conditions. Attention should be also drawn to the principle whereby payment is 50%/50% between the parties” (op. cit., p. 50). Corroborando tal entendimento, Christopher R. Seppällä afirma que “Unlike the Engineer, the Board is a completely neutral body. The members of a Board are appointed and paid by both parties. The board has no other role under the contract than to decide disputes” (op. cit., p. 970 e 977)


[15] CENTRO DE ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO DA CÂMARA DE COMÉRCIO BRASIL-CANADÁ. Sobre os disputes boards. Disponível em: http://www.ccbc.org.br/Materia/1063/dispute - Acesso em: 18.08.2016.


[16] CHERN, Cyril. Chern on dispute boards. Londres: Blackwell Publishing, 2008, p. 8. Apud LACRETA, Isabela. Dispute boards: o caráter vinculante de suas decisões In: PINTO, Ana Luiza e SKITNEVSKY, Karin (org.). Arbitragem nacional e internacional. Rio de Janeiro: Campus Jurídico-Elsevier. p. 212.


[17] CAIRNS, David J. A; MADALENA, Ignacio. El reglamento de la ICC relativo a los dispute boards. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 10. São Paulo: RT, 2006.


[18] GARCIA, Flávio Amaral. Op. Cit.


[19] “No Brasil, a eficiência tornou-se princípio constitucional expresso a partir da Emenda Constitucional nº 19/98, que alterou a redação do caput do artigo 37. Isso não implica asserir que a reforma introduziu uma novidade no sistema administrativo nacional. O princípio constitucional da eficiência administrativa já se denotava implícito na Carga Magna. Assim sendo, é importante considerar que a natureza da eficiência como norma constitucional não compreenderá a essência neoliberal que permeou os trabalhos reformadores. A eficiência como mero símbolo ou valor ideológico não se confunde com a sua manifestação jurídico-normativa.” (GABARDO, Emerson. Eficiência e Legitimidade do Estado: uma análise das estruturas simbólicas do direito político. Barueri: Manole, 2003, p. 185).


[20] Disponível em: http://infraestruturaurbana.pini.com.br/solucoes-tecnicas/46/aporte-em-infraestrutura-sera-de-r-117-trilhao-ate-2019-335205-1.aspx. Acesso em: 07.11.2016



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