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Looks like we aren't in Kansas anymore - árbitros em xeque na proposta de reforma do Código Pen

Daniel Becker Paes Barreto Pinto, advogado associado de Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown LLP, pós-graduando em Direito Público pela FGV Direito Rio, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, 1º Vice-Presidente do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.

Patrick Szklarz, advogado associado de Schmidt Lourenço Kingston Advogados Associados, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, graduado em Direito pela Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio, Vice-Presidente de Eventos do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.


Os Emirados Árabes Unidos são uma confederação de sete principados, notadamente Abu Dhabi, Dubai, Sharjah, Ajman, Umm al-Quwain, Ras al-Khaimah e Fujairah. Famosos por ostentarem um luxuoso padrão, paradoxalmente, aliado a um conservadorismo social e religioso, os Emirados investem, como poucos países, no setor da arbitragem internacional e, por essa razão, vêm despontando como respeitável centro arbitral não apenas no Oriente Médio, mas em todo o mundo.


Para se ter uma ideia, durante os anos de 2007 e 2013, o Dubai International Arbitration Centre - DIAC, que figura hoje como o maior centro de arbitragem do golfo pérsico, registrou a impressionante média de 289 procedimentos arbitrais por ano, cabendo observar o contraste exponencial do desempenho entre os anos de 2007 e 2011, quando os procedimentos saltaram de 77 para 440[1]. Além disso, em 2008, o Dubai International Financial Centre – DIFC e a London Court of International Arbitration – LCIA uniram esforços para criar um respeitado centro de arbitragem, o DIFC-LCIA.


Com seus luxuosos hotéis, paisagens artificiais e infraestrutura de tirar o fôlego, os Emirados Árabes, especificamente os principados de Dubai e Abu Dhabi, rapidamente se tornaram cobiçados foros neutros para sediar procedimentos arbitrais. No entanto, infelizmente, todo esse quadro de prosperidade está em xeque por conta de uma recente e controversa reforma legislativa consistente em emenda feita pelo Decreto Federal nº 7 de 2016 ao Código Penal dos Emirados Árabes: a ausência de neutralidade ou integridade do árbitro pode conduzi-lo à prisão. Confira-se o que diz o dispositivo:


"Qualquer um que profira uma decisão, expresse uma opinião, apresente um relatório, apresente um caso ou prove um incidente em favor ou contra uma pessoa, em violação aos requisitos do dever de integridade e neutralidade, enquanto agindo na qualidade de árbitro, perito, tradutor ou pesquisador de fatos designado por uma autoridade administrativa ou judicial ou escolhido pelas partes, será punido com pena de prisão temporária [ou seja, de 3 a 15 anos].

As aludidas categorias de pessoas serão impedidas de funcionar, também, nos cargos nos quais foram incumbidos em primeira instância, e estarão sujeitas às disposições do artigo 255 desta lei."

(grifou-se - tradução livre)


A neutralidade do árbitro compreende os seus deveres de imparcialidade e independência[2]. Já a sua integridade está relacionada ao seu desempenho ético. Ninguém nega que a neutralidade e seus desdobramentos, bem como a integridade, aliados à imunidade, são inerentes à atividade do árbitro e sua inobservância pode comprometer a validade de uma sentença arbitral caso se verifique um iminente “risco de influência no julgamento, que possa prejudicar uma das partes”[3]. Mas será que é possível, prima facie, identificar eventual ausência de neutralidade ou integridade de um julgador?


É nesse ponto que repousa a armadilha que essa emenda legislativa acabou por preparar para os árbitros que se aventurarem nos Emirados. Isso porque, da mesma forma que a legislação brasileira não conceitua neutralidade, imparcialidade, independência ou integridade, a lei penal dos Emirados Árabes também não o faz.


A bem da verdade, os deveres possuem conceitos juridicamente indeterminados, “cujos termos têm significados intencionalmente vagos e abertos”.[4] Diante dessa real imprecisão, eles sujeitam-se, então, às construções jurisprudenciais, doutrinárias e definições de soft law, como, por exemplo, as diretrizes estabelecidas nas Guidelines da International Bar Association.[5]


Em apertada síntese, tratam-se de orientações para mapear situações de potencial conflito de interesses que possam justificar eventual impedimento de um árbitro para funcionar em determinado procedimento, porquanto listam inúmeras situações objetivas em suas listas vermelha, laranja e verde.[6]


Observe-se que esse arranjo não vinculante, por mais racional que seja, demonstra o quão tênue é a linha entre a neutralidade e a suspeição, impondo uma aferição caso a caso. Se a missão de identificar aludidos conceitos, dentro de uma determinada jurisdição, já implica, por si só, ponderar relevantes princípios, valores e costumes, imagine-se a dificuldade de prová-los em meio a diferentes culturas, como no caso da arbitragem comercial internacional.


Ao que tudo indica, o atual artigo 257 do Código Penal emiradense, algo inédito nas legislações das jurisdições modernas, acaba por desenhar um arranjo de extrema instabilidade para os árbitros. Afinal, agora, quem vai querer ser árbitro nos Emirados Árabes correndo o risco de passar de três a quinze anos recluso?


Em meio à resistência de alguns doutrinadores, já há relatos de que alguns árbitros internacionalmente reconhecidos informaram que não mais aceitarão exercer suas funções como tal em virtude do receio de serem investigados por suposto crime e, eventualmente, acabarem presos. Pior: alguns estão considerando renunciar os procedimentos correntes.


Nesse aspecto, contudo, devem eles tomar cuidado com o disposto no art. 207 (2) do Código de Processo Civil dos Emirados Árabes Unidos, segundo o qual as partes podem requerer uma compensação do árbitro que renunciar a um procedimento arbitral sem uma razão válida.[7]


Se a referida discussão, por si só, já seria suficiente para ameaçar a atividade do árbitro, mais grave ainda é pensar que os contratos com cláusulas compromissórias ainda não acionadas não foram celebrados com vistas a esta mudança, podendo causar nefastos impactos microeconômicos. Definitivamente, ninguém discute que um árbitro empossado em postura propositalmente injusta ou tendenciosa deve sofrer alguma sanção pelo prejuízo causado às partes; contudo, não seria esse novo comando legal uma medida muito radical?


O alcance desta norma, por sua vez, é uma incógnita e ainda será objeto de apreciação pelos tribunais do país, mas, enquanto isso, os árbitros – que seguiam exercendo sua função regularmente – passam a viver à mercê de uma indesejável insegurança jurídica. A longo prazo será possível identificar o impacto no mercado de arbitragem dos Emirados Árabes, emergente até então.


A verdade é que, muito embora o país seja um oásis no meio do conturbado Médio Oriente, uma vez que ele é econômica e politicamente estável, a mudança brusca e radical da legislação representa um sinal vermelho para o desenvolvimento da região como um polo para a arbitragem comercial. Nas palavras da professora Margaret Moses, o procedimento arbitral deve ser sediado em um local no qual você passaria suas férias[8]; mas você passaria suas férias em um lugar para, ao final delas, acabar na cadeia?





[1] DIAC. Number of cases registered with DIAC from 2007 to 2013. Dubai International Arbitration Centre. Disponível em: <http://www.diac.ae/idias/archiveevents/CASESTATIC/> - Acesso em 07 dez. 2016.


[2] “[A] independência do julgador diz respeito à ausência de relações inapropriadas com as partes e com o objeto do litígio, enquanto sua imparcialidade consiste no seu estado de mente de equidistância entre as partes.” (CAVALIERI, Thamar. Imparcialidade na arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 41/2014.


[3] MUNIZ, Joaquim de Paiva. Curso básico de direito arbitral: teoria e prática, 3ª edição. Curitiba: Juruá, 2015, p. 123.


[4] MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 119.


[5] “Rightly or wrongly this list has entered the canon of sacred documents cited when an arbitrator’s independence is contested.” (PARK, William. Arbitrator integrity: the transient and the permanent. San Diego Law Review, 46, 2009, p. 676)


[6] WALD, Arnold. A ética e a imparcialidade na arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo: RT, vol. 39/2013.


[7] TAMIMI, Essam Al. Don’t scare business away, Al Tamini warns UAE. Global Arbitration Review. Disponível em: <http://globalarbitrationreview.com/article/1078390/don%E2%80%99t-scare-business-away-al-tamimi-warns-uae> - Acesso em 07 dez. 2016.


[8] MOSES, Margaret L. The principles and practice of international commercial arbitration. New York: Cambridge University Press, 2008, p. 43.


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