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A vulnerabilidade do investidor brasileiro no exterior: reflexões sobre o caso Occidental Petroleum


Daniel Becker Paes Barreto Pinto, advogado, pós-graduando em Direito Público pela FGV Direito Rio, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, 1º Vice-Presidente do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.

Bruno Martins Guedes Ribeiro, advogado, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RIO.



O Brasil do século XXI vem, gradualmente, exercendo uma maior influência no cenário internacional, fortalecendo seus vínculos diplomáticos, permitindo a expansão de empresas “campeãs nacionais”, bem como promovendo investimentos estratégicos[1], sobretudo nos setores petrolífero, minerário e infraestrutura no continente africano[2] – segmentos de capital intensivo e com grande relevância estratégica no âmbito político-econômico. Esses investimentos são feitos, em sua maioria, por empresas brasileiras, em operações comerciais junto a governos estrangeiros.


Embora o investimento de empresas nacionais em países em desenvolvimento se mostre fator fundamental na consolidação da política externa brasileira, bem como represente ativos relevantes para as sociedades investidoras, é de suma importância que se adotem mecanismos protetivos contra eventuais abusos do estado que está a receber investimentos.


Contudo, ainda que o cenário seja aparentemente favorável, o Brasil ainda carece de proteção internacional a seus investidores. Talvez o aspecto mais evidente dessa vulnerabilidade no cenário internacional de investimentos bilaterais seja a sua não adesão à Convention on the Settlement of Investment Disputes Between States and National of Other States (“Convenção de Washington”), convenção que institui a International Centre for the Settlement of Investment Disputes (“ICSID”), órgão vinculado ao Banco Mundial.


O principal objetivo do ICSID, instituído em 1965, é ser um fórum neutro[3] para a resolução de controvérsias tidas entre Estado e particulares de nacionalidades diversas, geralmente relacionados a investimentos transnacionais. A neutralidade se funda, mormente, na autonomia e na independência do órgão[4], cuja adesão se dá por ratificação expressa[5] à Convenção de Washington. O sucesso do ICSID vem se reafirmando de forma consistente ao longo dos anos, conforme se depreende da análise do número de casos submetidos à sua jurisdição – todos, evidentemente, de extrema relevância. Em 2016, por exemplo, chegou-se ao número recorde de 247 casos administrados pelo ICSID[6].


Com efeito, a mencionada vulnerabilidade brasileira ganha contornos especialmente preocupantes à luz de decisão recente proferida por uma comissão ad hoc do ICSID no âmbito do caso ARB/06/11, a qual consolidou entendimento sobre o seu alcance jurisdicional. Trata-se de uma disputa travada pelas empresas estadunidenses Occidental Petroleum Corporation (“OCP”) e Occidental Explorantion and Production Company (“OEPC”), contra a República do Equador (“Equador”).


Em maio de 1999, a OEPC e o Equador, representado pela estatal PetroEcuador, firmaram contrato de exploração, cujo objeto era permitir a exploração e produção de petróleo pela OEPC no Bloco 15 da Amazônia equatoriana[7]. Por meio desse contrato, que em diversos pontos se assemelha aos padrões dos contratos de exploração brasileiros, a companhia tinha o poder-dever de explorar e, se possível, produzir petróleo às suas custas, tendo direito à percepção de lucros oriundos de eventual venda de óleo.


A OEPC, pelo referido instrumento, tinha a possibilidade de dispor livremente de sua participação contratual. Contudo, a transferência ou cessão dos direitos oriundos deste contrato a terceiros estava condicionada à prévia e expressa anuência do Ministério de Minas e Energia, sob pena de extinção do contrato mediante decretação de sua caducidade[8].


Nada obstante, a partir de 2000 iniciaram-se negociações entre a OEPC e uma companhia canadense denominada Alberta Energy Corporation Ltd. (“AEC”) com o propósito de celebrar transação “farm-in/farm-out” referente a uma parcela do Bloco 15. Assim, em outubro de 2000, AEC e OEPC firmaram os “Contratos Farmouts”, operação que consistiu no pagamento, pela AEC, de US$ 180 milhões por 40% dos direitos econômicos do referido bloco, além de esta ser responsável por 40% das despesas pela exploração desta área.


Após a realização de reuniões com o alto escalão do Ministério de Minas e Energia, incluindo o próprio Ministro de Estado, não houve qualquer formalização do aceite governamental à operação, que ainda assim produziu efeitos inter partes. Por isso, em maio de 2006, o Ministro de Minas e Energia decretou a caducidade da concessão de exploração em virtude da cessão do contrato sem que houvesse a prévia e expressa anuência governamental.


A OEPC, então, instaurou procedimento arbitral junto à ICSID, uma vez que, além de sociedade constituída e regida de acordo com as leis de país signatário da Convenção de Washington, o próprio Bilateral Investment Treaty (“BIT”) firmado entre EUA e Equador previa esse método de resolução de controvérsias para este tipo de imbróglio. As alegações da companhia fundavam-se, basicamente, na desproporção da penalidade aplicada pelo Equador, além do tratamento não equitativo e descumprimento da própria Lei de Hidrocarbonetos do Equador.


O Tribunal constituído para o caso entendeu que, de fato, a penalidade imposta à OEPC não era compatível com critérios de proporcionalidade e estava, sim, em desacordo com a legislação equatoriana[9]. Isto, apesar de efetivamente entenderem que a não submissão dos Contratos Farmout à apreciação ministerial realmente constituía uma violação aos próprios contratos de exploração e produção. Por esses motivos, foi fixada penalidade recorde de US$ 2.3 bilhões, mesmo sob a contundente opinião dissonante da Professora Brigitte Stern, membro do Tribunal Arbitral.


Cumpre destacar que os Contratos Farmout são instrumentos pelos quais uma parte, detentora de direitos de exploração de uma determinada área, cede a outrem uma parcela ou a totalidade de seus direitos em troca da realização, pelo cessionário, de operações de teste e perfurações desta área[10].[11] É notável, portanto, que se trata de um típico contrato de cessão de direitos especificamente do segmento de petrolífero. Além disso, a AEC, após a celebração dos Contratos Farmout, transferiu sua titularidade por tal percentual do Bloco 15 à Andes Petroleum (“Andes”). A Andes, por sua vez, é uma companhia equatoriana integralmente controlada por duas companhias chinesas[12], a CNPC e a SINOPEC[13].


Esses fatores foram fundamentais à revisão da decisão do Tribunal por parte de Comissão Ad Hoc da ICSID, cujo exercício jurisdicional foi motivado por recurso equatoriano que suscitava diversos pontos que, supostamente, seriam passíveis de motivar a anulação da decisão. Contudo, apenas os mencionados fatores mostraram-se preponderantes à alteração da decisão, uma vez que (i) os Contratos Farmout são efetiva cessão de direitos e deveres oriundos dos Contratos de Participação; e (ii) que a indenização bilionária refere-se a 100% dos danos sofridos pela caducidade, quando é certo que a Andes teria direito a somente um percentual de indenização, compatível com sua posição contratual[14].


O entendimento da Comissão, portanto, foi de que a decisão do Tribunal gerou, em última instância, benefícios a companhias chinesas, mesmo que toda a sua apuração entendesse a OEPC como titular de tais direitos; afinal, os Contratos Farmout continuaram a produzir efeitos. A questão é que o instrumento que regula as relações entre OEPC e Equador é o BIT, convenção que, evidentemente, é inaplicável à China e, tampouco, a seus nacionais.


Foi assentado, então, que os tribunais excedem sua jurisdição ao conferir compensação a terceiros investidores que não sejam protegidos pelo instrumento que regula tais investimentos[15]. Inclusive, porque a limitação de jurisdição do ICSID, para além de estar consignada na Convenção de Washington, é uma consequência natural do próprio direito internacional de investimentos[16].


Desta forma, a decisão da Comissão reforça[17] o entendimento natural de que o consentimento e, assim, a autonomia da vontade são fatores determinantes[18] no exercício jurisdicional do ICSID[19], motivo pelo qual a Comissão reduziu em 40% a indenização estipulada pelo Tribunal.


É cediço que a partir dos anos 90 e, principalmente, após o advento do Plano Real[20], o Brasil se abriu ao cenário econômico internacional. Os dados também demonstram que essa abertura se consolidou após a virada do milênio, experimentando consistentes evoluções até 2014[21]. Ocorre que essa expansão não foi seguida[22] de uma reestruturação dos institutos jurídicos que tutelam e embasam esse - já não - novo papel.


Uma das mais patentes idiossincrasias brasileiras, a não assinatura da Convenção de Washington[23], é reforçada pela decisão no caso ARB/06/11, uma vez que o fator “adesão” torna-se ainda mais preponderante à proteção de interesses de investidores em âmbito internacional.


Ainda que não seja pródigo em tratados bilaterais de investimentos[24], o Brasil vem buscando reforçar seu papel de liderança junto a países em desenvolvimento através da assinatura de Acordos de Facilitação e Cooperação de Investimentos (“ACFIs”). Ainda que não sejam documentos análogos, eles apresentam diversas similaridades[25], e são fatores de estímulo aos investimentos estrangeiro.


Nessa linha, dois pontos sobre os ACFIs merecem destaque para essas reflexões, a saber: (i) tantos os Acordos assinados quantos os acordos em negociação foram assinados com países em desenvolvimento, notadamente, países africanos e latino-americanos; e (ii) a arbitragem é prevista como último método de resolução de conflitos.


A arbitragem, por suas características intrínsecas, é instrumento preponderante na engrenagem do fluxo de capital estrangeiro[26]. A existência de cláusula compromissória e, especialmente, a submissão de controvérsias de investimentos ao ICSID[27] é mecanismo de segurança ao investidor, pois a tendência é de que os Estados receptores de investimentos violem os acordos em desfavor dos investidores[28], e não o contrário.


Outros mecanismos de solução de controvérsias entre estados e investidores que não a arbitragem são traumáticos, demorados e limitam-se a duas possibilidades[29]: (i) recorrer ao Poder Judiciário local – o que torna o investidor especialmente vulnerável às decisões baseadas em direito interno e que, em geral, tendem a ser mais parciais em relação ao estado receptor; e (ii) recorrer ao estado de origem do investidor, requerendo proteção diplomática.


A arbitragem no âmbito do ICSID, portanto, se mostra a melhor opção para garantir a proteção dos investidores em litígios contra estados; muito em virtude da capacidade coercitiva da corte e da quantidade de signatários.


Para além do perceptível anacronismo que se nota quando de uma análise da própria política externa do Brasil, a recente decisão no caso ARB/06/11 acende um alerta; afinal, o fator consentimento afigura-se cada vez mais preponderante ao exercício jurisdicional do ICSID, o que deixa o investidor brasileiro ainda mais exposto a eventuais violações de direitos por estados receptores de seus investimentos. Resta saber se a vulnerabilidade ora exposta será sanada por iniciativa própria ou se será necessário algum imbróglio internacional para que se reconheça a incompatibilidade entre a atuação internacional do Brasil e as medidas protetivas adotadas em benefício ao investimento nacional.




[1] CERVO, Amado Luiz. Apresentação: A política exterior do Brasil. In. Austral: Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais v.1, n.2, Jul-Dez 2012 | p. 12-13.


[2] PIMENTA JUNIOR, José Luiz. Comércio, Investimentos e Negociações Internacionais: Uma Breve Análise das Relações Econômicas entre o Brasil e os Países em Desenvolvimento nas Últimas Décadas. In. Política externa brasileira, cooperação sul-sul e negociações internacionais / organização Haroldo Ramanzini Júnior , Luis Fernando Ayerbe. - 1. ed. - São Paulo : Cultura Acadêmica, 2015. Pg. 300.


[3] MOSES, Margaret L. The principles and practice of international commercial arbitration. Cambridge University Press, New York, 2008. Pg. 221.


[4] CRETELLA NETO, José. Curso de Direito Internacional Econômico. São Paulo – Ed. Saraiva, 2012. Pg. 531.


[5] MOSES, Margaret L. Op. cit. Pg. 222


[6] Conforme “ICSID 2016 Annual Report”. Disponível em: https://icsid.worldbank.org/apps/ICSIDWEB/resources/Documents/ICSID_AR16_English_CRA_bl2_spreads.pdf .


[7] ICSID Case No. ARB 06/11, Decision on Annulment. §§ 5, 6.


[8] SABAHI, Borzu. Kabir Duggal. Occidental Petroleum V. Ecuador: Observations on Proportionality, Assessment of Damages and Contributory FAULT. In: ICSID Review, vol. 28, No. 2 (2013), pg. 280.


[9] ICSID Case No. ARB/06/11, Award § 876.


[10] RIBEIRO, Marilda Sá Rosado. Direito do Petróleo. 3 ed. – Rio de Janeiro: Renovar, 2014. Pg. 479.


[11] LOWE, John S., Analyzing Oil and Gas Farmout Agreements (1987). Southwestern Law Journal, Vol. 41, No. 3, 1987. Pg. 763.


[12] ICSID Case No. ARB 06/11, Decision on Annulment, § 136.


[13] Conforme: http://www.andespetro.com/html/Information_3_5.htm


[14] ICSID Case No. ARB 06/11, Dissenting Opinion, §§ 33, 34.


[15] ICSID Case No. ARB 06/11, Decision on Annulment, § 262.


[16] ICSID Case No. ARB 06/11, Decision on Annulment, § 263.


[17] DESIERTO, Diane. Beneficial Ownership and International Claims for Economic Damage: Occidental Petroleum v. Ecuador and Restoring Limits to Investor-State Arbitral Tribunals’ Jurisdiction Ratione Personae. Disponível em: http://www.ejiltalk.org/beneficial-ownership-and-international-claims-for-economic-damage-restoring-limits-to-investor-state-arbitral-tribunals-jurisdiction-in-occidental-petroleum-v-ecuador/


[18] Neste sentido: “A Convenção prevê um consentimento duplo: o do Estado-parte na disputa e o do Estado do investidor, na ratificação prévia da Convenção, e o das partes em litígio, por meio de uma cláusula no contrato entre elas celebrado anteriormente ou por um compromisso estabelecido após o surgimento da disputa.”. Cf. MATIAS, Eduardo Felipe P. O Brasil e os instrumentos internacionais de proteção aos investimentos In. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 21/2009 | p. 114 - 132 | Abr - Jun / 2009. Pg. 118.


[19] MOSES, Margaret L. Op. cit. Pg. 223.


[20] AVERBUG, André. Abertura e Integração Comercial Brasileira na Década de 90. In. Economia brasileira nos anos 90 / organizadores Fábio Giambiagi, Maurício Mesquita Moreira. 1. Ed. – Rio de Janeiro: BNDES, 1999. Pg. 77-78.


[21] Conforme Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e Banco Central do Brasil (BCB). Disponível em: http://negint.cni.org.br/negint/usuario/detalhePublicacao.faces?codPub=61


[22] XAVIER, Mônica Antão. Internacionalização de Empresas e o Direito Internacional dos Investimentos. In. Direito Internacional dos Investimentos/ org. Marilda Sá Rosado Ribeiro – Rio de Janeiro: Renovar, 2014. Pg. 326


[23] Ainda que extremamente relevante, a discussão acerca dos motivos alegados para tal descompasso será oportunamente tratada em trabalho que aprofundará o presente artigo – uma vez que a proposta do presente é a de fazer apontamentos iniciais sobre o tema. Não obstante, boa explanação de tais motivos é encontrada em TIBÚRCIO, Carmem. Arbitragem de Investimentos no Brasil. In. Direito Internacional dos Investimentos/ org. Marilda Sá Rosado Ribeiro – Rio de Janeiro: Renovar, 2014. Pg. 237.


[24] É de se destacar a existência de 16 desses tratados pendentes de ratificação.


[25] FIORATI, Jete J.; FERNANDES, Erika C. Os ACFIs e os BITs assinados pelo Brasil: Uma análise comparada. In: Revista de Informação Legislativa, v. 208, p. 247-276, 2015.


[26] MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitragem a atração de investimentos no Brasil. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 32/2012 | p. 101 - 108 | Jan - Mar / 2012


[27] O poder de influência do ICSID (principalmente se analisado sob à luz de uma Análise Econômica do Direito) é fundamental nessa perspectiva da segurança, uma vez que trata-se de entidade vinculada ao Banco Mundial, organismo com penetração em diversos países, que, a seu turno, têm forte interesse em serem vistos como cumpridores de suas obrigações e alinhados às decisões do órgão. Conforme: MOSES, Margaret L. Op. cit. Pg. 227.


[28] SILVA. Ana Rachel Freitas da. Por que os estados submetem controvérsias de investimentos à arbitragem internacional. In. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 13, n.52, p. 9-25, out./dez. 2015. Pg. 23.


[29] CRETELLA NETO, José. Op. cit. Pg. 529 – 530.


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