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O julgamento da SEC 9.412/US: conflito de interesses e a homologação de sentenças arbitrais estrange


Daniel Becker Paes Barreto Pinto, Advogado, pós-graduando em Direito Público pela FGV Direito Rio, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 1º Vice-Presidente do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.

Amanda Pierre de Moraes Moreira, Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, membro do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.

Em decisão recente, proferida na última quarta-feira, 19.04.2017, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pôs fim a uma arrastada disputa, negando o pedido de homologação de duas sentenças arbitrais estrangeiras oriundas dos Estados Unidos da América (SEC nº 9.4112/US). O fundamento principal trazido pela Corte Superior para a negativa foi a ofensa à ordem pública que estaria presente nas decisões, tendo em vista o pagamento de honorários por uma das partes envolvidas ao escritório de advocacia do qual o presidente do Tribunal Arbitral é sócio. A decisão de não homologação do STJ consiste em precedente inédito, considerando sua complacência histórica, praticamente cartorária, em relação às sentenças estrangeiras[1].


Historicamente, trata-se de arbitragem instaurada por ASA Bioenergy Holding A.G., Abengoa Bioenergia Agrícola Ltda., Abengoa Bioenergia São João Ltda., Abengoa Bioenergia São Luiz S.A., e Abengoa Bioenergia Santa Fé Ltda. ("Abengoa", como requerentes) contra Adriano Giannetti Dedini Ometto e Adriano Ometto Agrícola Ltda. ("Ometto”, como requeridos). Em 2007, a Ometto vendeu o controle acionário de seu negócio de extração e comercialização de cana-de-açúcar no Brasil à Abengoa, no valor de R$ 600 milhões (seiscentos milhões de reais).


Em meio à difícil situação econômica da Abengoa[2], as partes não entraram em consenso a respeito de qual delas seria a responsável por responder pelos danos pelos quais passavam a empresa brasileira, em especial suas condenações judiciais cíveis perante credores, além de condenações trabalhistas[3]. Dentre os imbróglios, a Abengoa sustentou que houve desinformação por parte da Ometto quanto à capacidade de trituração dos seus moinhos produtores do açúcar e quanto à existência de contratos celebrados que seriam desvantajosos e trariam obrigações significativas no caso da depreciação do real brasileiro frente ao dólar americano, o que veio a ocorrer[4].


No âmbito da seção 12.9 do acordo de compra e venda de ações, i.e. a cláusula arbitral, a Abengoa formulou diversos pedidos contra a Ometto em duas arbitragens sediadas em Nova York, em procedimentos arbitrais realizados segundo as regras da ICC (Câmara de Comércio Internacional), de nºs 16176/JRF/CA e 16513/JRF/CA. As partes acordaram na aplicação do direito material brasileiro para todas as reivindicações, e o painel formado para as duas arbitragens era composto por David Rivkin, como Presidente do Tribunal Arbitral, sócio do escritório Debevoise&Plimpton LLP e Presidente do International Bar Association - IBA, além de Guillermo Aguilar-Alvarez[5] e José Emílio Nunes Pinto.


Em ambos os procedimentos, foram proferidas sentenças arbitrais que estabeleciam a compensação de danos pela Ometto à Abengoa, totalizando quase 110 milhões de dólares em uma das sentenças e R$ 17 milhões de reais na outra, além do juros, correção monetária e custas relacionadas ao procedimento arbitral. Perante a United States District Court (Southern District of New York), a Ometto requereu a declaração de nulidade das sentenças arbitrais proferidas, por alegada violação ao Federal Arbitration Act 9 U.S.C. § 10(a)[6]. Por sua vez, a Abengoa reconviu com pedido de confirmação de validade das sentenças proferidas nos procedimentos, requerendo ainda a condenação da Ometto nas custas e honorários advocatícios.


Segundo narrou a Ometto, o escritório Deveboise&Plimpton LLP, do qual David Rivkin é sócio, tinha assessorado clientes em transações que envolviam a Abengoa, o que deveria ser considerado fraude à luz do Federal Arbitration Act. O escritório teria recebido US$ 6 milhões de dólares em honorários por trabalho que não teria relação com a matéria em discussão, mas envolvia uma empresa do grupo Abengoa, o que não foi revelado pelo Presidente no curso da arbitragem. O escritório teria prestado serviços para assessorar operações relacionadas à Abengoa em três projetos, incluindo usinas solares nos EUA, especificamente nos estados do Arizona e da Califórnia.


A Abengoa, em defesa perante a Justiça estadunidense, sustentou que as causas patrocinadas pelo escritório de David Rivkin não teriam chegado ao conhecimento do Presidente do Tribunal Arbitral até depois da prolação da sentença arbitral, e que a alegação estaria sendo utilizada pela Ometto apenas para o fim de cavar uma possível nulidade das sentenças arbitrais. Além disso, os outros dois árbitros confirmaram a boa-fé e imparcialidade de Rivkin perante a District Court[7].


Após extensa dilação probatória, a primeira instância norte-americana entendeu que não havia nexo de causalidade entre os honorários recebidos pelo escritório e as sentenças arbitrais, tendo o ocorrido sido reputado como descuido interno do escritório de advocacia na verificação de quais clientes sua firma assessorava durante a arbitragem. Na verdade, todo o embaraço teria tido origem em uma simples confusão de matters internos da firma[8], o que, segundo a District Court, não pode ser considerado parcialidade, apenas erro escusável.


Além disso, a District Court também considerou a perspectiva de que apenas se estaria diante de hipótese de anulação de sentença arbitral caso estivesse claro, à primeira vista, a ocorrência de fraude ou corrupção na prolação da sentença, o que não seria o caso. Por essas razões, as sentenças arbitrais dos procedimentos 16176/JRF/CA e 16513/JRF/CA não foram anuladas, e o pedido de reconvenção da Abengoa foi provido para confirmar a validade das mesmas. Em recurso à United States Court of Appeals for the Second Circuit, a Ometto arguiu novamente a nulidade do laudo arbitral prolatado, mas a decisão de primeira instância foi integralmente mantida.


De posse do título, a Abengoa submeteu as sentenças arbitrais ao STJ para homologação, como preceituam os artigos 34 a 40 da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem), e os artigos 960 a 965 do CPC/15. O pedido foi recebido na Coordenadoria da Corte Especial em 21.08.2013, contudo, apenas em 21.10.2015, o Ministro Relator Felix Fischer proferiu o primeiro voto no sentido de deferir o pedido de homologação das sentenças, ocasião na qual o Ministro João Otávio de Noronha pediu vista.


Segundo o relator, o STJ deveria exercer papel meramente cartorial na homologação de sentenças arbitrais, podendo aferir apenas a inexistência de nulidades prima facie. Em voto divergente, o Ministro João Otávio de Noronha discordou do relator, afirmando que a inidoneidade de um dos membros do Tribunal Arbitral já seria suficiente para impedir a homologação das sentenças no Brasil, não sendo necessária a comprovação de nexo de causalidade entre o dinheiro recebido pela firma norte-americana e o conteúdo dos laudos arbitrais. Considerou, assim, que o recebimento de valores por escritório do qual o árbitro faça parte, por si só, já malucaria sua imparcialidade, o que caracterizaria violação à ordem pública.


Em 19.04.17, o impasse chegou ao fim, com o indeferimento do pedido de homologação. Mesmo com novo pedido de vista por parte do Ministro Relator, os ministros Nancy Andrighi, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Raul Araújo acompanharam o voto divergente.


O precedente, para além de discutível, é significativo, pois pode indicar uma mudança de postura da Corte Superior na concessão das homologações às sentenças estrangeiras, sobretudo arbitrais. Isso, por conseguinte, impõe necessidade de criação de standards mais elevados de imparcialidade aos árbitros – e, consequentemente, aos escritórios de advocacia dos quais eles façam parte, em especial no que se refere ao controle interno de potenciais conflitos, a fim de possibilitar, ao árbitro, a observância plena de seu dever de informação.





[1] Segundo o advogado Leandro Augusto Ramozzi Chiarottino, do Chiarotino e Nicoletti Advogados , “o STJ adotava uma ‘postura cartorial, com mero chancelamento da sentença estrangeira’”. Disponível em http://www.conjur.com.br/2017-abr-19/stj-ve-corrupcao-arbitragem-estrangeira-nao-homologa-sentenca.


[2] O grupo espanhol Abengoa passa por recuperação judicial também perante o Judiciário brasileiro, em dívidas que montam valores da ordem de R$ 3 bilhões, segundo o Valor Econômico (http://www.valor.com.br/empresas/4416012/abengoa-entra-com-pedido-de-recuperacao-judicial-no-brasil).


[3] A Ometto, apesar de empresa relativamente nova no ramo sucroalcooleiro, tornou-se réu em mais de mil ações trabalhistas do Brasil, conforme divulgado pelo Conjur. Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-mai-05/stj-julga-pedidos-milionarios-homologacao-decisoes-estrangeiras.


[4] United States District Court - Southern District of New York, 12 Civ. 1328 (JSR), vide fls. 2/3.


[5] Sócio do escritório King & Spalding e Professor da Universidade de Yale.


[6] “Art 9, §10. (a) In any of the following cases the United States court in and for the district wherein the award was made may make an order vacating the award upon the application of any party to the arbitration — (1) where the award was procured by corruption, fraud, or undue means; (2) where there was evident partiality or corruption in the arbitrators, or either of them; (3) where the arbitrators were guilty of misconduct in refusing to postpone the hearing, upon sufficient cause shown, or in refusing to hear evidence pertinent and material to the controversy; or of any other misbehavior by which the rights of any party have been prejudiced; or (4) where the arbitrators exceeded their powers, or so imperfectly executed them that a mutual, final, and definite award upon the subject matter submitted was not made”, disponível em https://www.law.cornell.edu/uscode/text/9/10.


[7] “Rivkin all times conducted himself with absolute independence, impartiality, fairness, and professionalism”. (Quoting January 9 Emails, Quintana Decl. , Ex. 19, United States District Court - Southern District of New York, 12 Civ. 1328, JSR, vide fl. 7).


[8] Segundo a sentença, o escritório de Rivkin teria registrado o caso não revelado sob o matter “MBIA – Abengoa”, enquanto o Árbitro Presidente apenas teria escrito os nomes “ASA Bioenergy” e “Ometto” na busca por códigos de matters em conflito com sua firma.


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