top of page

STJ confirma possibilidade de cisão da arbitrabilidade de conflitos provenientes de um mesmo contrat

Daniel Becker Paes Barreto Pinto[1]

Amanda Pierre de Moraes Moreira[2]

Em recente decisão proferida no final maio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reiterou sua postura de homologar sentenças arbitrais estrangeiras sob condição de atendimento aos preceitos de ordem pública, especificamente, no caso, a validade da notificação realizada por meio de intimação postal. Além disso, no mesmo julgamento, o STJ considerou ser possível a cisão da arbitrabilidade dos conflitos provenientes de um mesmo contrato, i.e. parte das disputas originadas de um contrato ser submetida à jurisdição estatal, e a outra à jurisdição arbitral. O procedimento tramitou na Corte Especial do STJ, sob o nº SEC nº 11.106/GB.


O caso em questão envolvia o conglomerado Bunge International e a Parapuã Agroindustrial, empresa brasileira do ramo da cana-de-açúcar, fundado no alegado descumprimento do contrato por parte da companhia brasileira. As duas mantinham contrato de compra e venda de açúcar, celebrado em 2008 e renovado em 2009.


Em síntese, a Bunge sustentou que a Parapuã não atendeu às disposições do contrato estabelecido entre elas, eis que deixou de entregar sete mil toneladas de açúcar relativas à safra 2010/2011, além de não ter apresentado nova proposta de entrega do volume remanescente, bem como não procedeu a qualquer compensação à Bunge por violação do contrato.


Por essas razões, o conglomerado estrangeiro ingressou com pedido de indenização contra a Parapuã perante a Sugar Association of London, que condenou a produtora brasileira ao seguinte: (a) compensação à Bunge no valor de US$ 2.379.372,17, compreendendo o valor principal de US$2.222.414,18, acrescido de juros de 4,5% ao ano no valor de US$ 156.957,99 a partir de 29.9.2011 até a data em que foi proferida a sentença; (b) juros simples sobre as quantias mencionadas, incidindo a taxa de 8% ao ano a partir do dia seguinte à data em que foi proferida a sentença e (c) custas e demais despesas incorridas pela Bunge com a instituição do procedimento arbitral e pela Sugar Association Of London com a sentença final[3]. Dessa decisão, a Bunge buscava a homologação perante o STJ.


A Parapuã, por sua vez, contestou, perante o STJ, a competência do Tribunal Arbitral inglês para processamento e julgamento do conflito entre as duas empresas, uma vez que o contrato submetido à novação (ou seja, a partir de 2009) estabelecia, em sua cláusula nº 19[4], que eventuais conflitos seriam decididos pelo Poder Judiciário da Inglaterra, e não por uma Câmara Arbitral da Sugar Association of London. Além disso, a Parapuã também argumentou que não teve a oportunidade de oferecer defesa no procedimento arbitral, por falta de notificação válida, o que seria contrário aos preceitos de ordem pública.


O Ministro Herman Benjamin, a quem coube a relatoria do pedido de homologação de sentença estrangeira, abordou os dois pontos suscitados pela Parapuã, quais sejam: (i) se o conflito poderia ter sido decidido pela Sugar Association of London, e (ii) se teria havido violação a preceitos de ordem pública brasileira pela falta de oferecimento de defesa no âmbito do procedimento arbitral em questão, por alegada falta de notificação válida.


De início, em relação à arbitrabilidade do conflito, o Ministro relator constatou que, conforme as disposições contratuais estabelecidas no instrumento original de 2008 e no acordo de novação celebrado em 2009, somente os litígios advindos da novação contratual deveriam ser submetidas ao Poder Judiciário inglês, permanecendo válida a cláusula compromissória para solução de controvérsias oriundas do contrato originalmente firmado em 2008. Dito de outra forma, estaria plenamente admitida, segundo o relator, a possibilidade de cisão das formas de resolução de conflitos das diversas obrigações contratuais existentes em um contrato, facultando-se assim que parte dos conflitos fosse resolvida pela via arbitral e outra, por via judicial[5].


Em relação ao argumento da Parapuã de falta de notificação válida para apresentação de defesa perante o procedimento arbitral inglês, o Ministro Herman Benjamin considerou que, por existir prova de envio de intimações postais à empresa brasileira no decorrer do processamento da arbitragem, o procedimento era válido. Isso porque, segundo o art. 39, caput e parágrafo único, da Lei de Arbitragem Brasileira (LAB, Lei nº 9.307/96), não está consubstanciada ofensa à ordem pública brasileira se a intimação postal for acompanhada de prova efetiva de recebimento da comunicação, e contanto que seja assegurada à parte tempo hábil para o exercício do direito constitucional da ampla defesa[6].


O voto, que seguiu o parecer do Ministério Público Federal (MPF), o qual havia opinado pela homologação da sentença arbitral estrangeira pelas mesmas razões suscitadas pelo Ministro relator[7], foi seguido por unanimidade pelos ministros votantes, os Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Felix Fischer, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Humberto Martins e Maria Thereza de Assis Mour.


Da decisão, extrai-se novo julgado no sentido da validade da intimação por meio postal com recebimento inequívoco. Nesse último ponto, frisa-se a importância da boa gestão que as companhias precisam ter para gerenciar a entrada de documentos e intimações em suas instalações. Além disso, depreende-se que a Corte vislumbrou a possibilidade do desmembramento contratual no que se refere à arbitrabilidade das disputas dali advindas, ou seja, as partes têm o poder de dispor quais conflitos desejam submeter à arbitragem e quais deles preferem encaminhar para o Poder Judiciário.

[1] Advogado, pós-graduando em Direito Público pela FGV Direito Rio, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, 1º Vice-Presidente do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.

[2] Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, membro do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.

[3] Disponível na fl. 4 dos autos eletrônicos da SEC nº 11.106/GB, perante o STJ.

[4] Disponível na fl. 3 dos autos eletrônicos da SEC nº 11.106/GB, perante o STJ.

[5] Nas palavras do Ministro relator, “Não há vedação jurídica, na legislação brasileira, para que as resoluções dos conflitos das diversas obrigações contratuais sejam cindidas, de forma que parte seja resolvida por arbitragem e parte seja submetida ao Poder Judiciário”. Disponível em http://www.conjur.com.br/2017-mai-31/stj-homologa-sentenca-us-milhoes-tribunal-arbitral-ingles. Acesso em 02.06.2017.

[6] Nas palavras do Ministro relator, “O STJ reforça a validade da intimação postal em procedimentos arbitrais internacionais como instrumento materializador do contraditório e da ampla defesa”. Disponível em http://www.conjur.com.br/2017-mai-31/stj-homologa-sentenca-us-milhoes-tribunal-arbitral-ingles. Acesso em 03.06.2017.

[7] Conforme fls. 674-676 dos autos eletrônicos da SEC nº 11.106/GB, perante o STJ.


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Nenhum tag.
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page