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A cláusula escalonada e a quebra da lei de Tchekhov


Daniel Becker Paes Barreto Pinto[1]

Roberto Rommel de Rezende Corrêa Júnior[2]


“Se um revólver aparecer em uma cena qualquer de uma história, é porque ele eventualmente será disparado”. Extrai-se da frase do médico, dramaturgo e escritor russo Anton Tchekhov que nas histórias nada é supérfluo – tudo é calculado, medido, sendo certo que sempre há uma relação obrigatória de causa e consequência entre os eventos.


Aplicando essa lógica no âmbito da resolução de controvérsias, questiona-se: seriam as cláusulas escalonadas capazes de evitar que um conflito, uma vez apresentado, se transforme numa disputa? Contrariando Tchekhov, pode a arma não ser disparada, mesmo após ter sido apresentada?


Antes de tudo, deve-se diferenciar os conceitos de conflito e disputa[3]. O primeiro, com origem etimológica no latim conflictus, de confligere, no contexto jurídico, adquire sentido de choque de interesses ou ideias, dando origem ao embate ou à divergência de fatos, coisas e pessoas[4]. O segundo, na definição encontrada no dicionário, também oriundo do latim, disputare, pode ser definido como contenda, briga, debate, entre outras definições[5]. Assim, enquanto o conflito seria uma mera divergência entre ideias conflitantes, a disputa estaria em um grau acima, já existindo a contenda em sentido estrito. Portanto, mesmo sendo frequentemente utilizadas como sinônimos, há uma significativa distinção semântica entre as duas palavras.


Quando da celebração de um contrato, o interesse das partes contratantes é que as obrigações assumidas sejam observadas e cumpridas, gerando assim o benefício econômico almejado por elas quando da celebração do negócio jurídico[6]. Morton Deutsch afirma que a resolução do conflito pode desenvolver-se de forma destrutiva ou construtiva[7].


O processo destrutivo rompe e/ou corrói as relações preexistentes ao embate, podendo, até mesmo, durante o desenvolvimento da resolução, agravar e expandir o impasse para outras proporções. Já o construtivo, por sua vez, consiste no trabalho em conjunto das partes, com ou sem a ajuda de um terceiro, para buscar a resolução do impasse de forma a manter e fortalecer a relação entre elas[8], impedindo que um conflito se torne uma disputa.


Nesse contexto, a cláusula escalonada exerce um papel chave. Esse dispositivo contratual possibilita a conjugação de modalidades autocompositivas e heterocompositivas, observando o grau em que o litígio se encontra. Em outras palavras, a cláusula escalonada pode ser definida como uma tecnologia contratual que permite a simbiose de métodos alternativos de controvérsia, com o objetivo de resolver a disputa da forma mais pacífica e, consequentemente, com o menor custo possível.[9] A combinação de um método pré-litigioso com a arbitragem, procedimento litigioso, é a utopia na resolução de conflitos comerciais, pois permite a maximização da eficiência econômica e a redução dos custos de transação.


Existem diversas modalidades de cláusulas escalonadas, em que são unidas diferentes combinações de formas alternativas de resolução de conflitos e disputas. Apesar da multiplicidade de formas que cláusulas podem adquirir, todas elas possuem, como característica nodal, a liberdade que as partes possuem no uso dessas combinações, possibilitando, assim, que a cláusula se ajuste perfeitamente ao contrato no qual será inserida.


A modalidade de cláusula escalonada mais utilizada é a cláusula med-arb. Esse dispositivo prevê a solução do conflito, inicialmente, por um mecanismo de autocomposição (mediação), e, não ocorrendo a composição, as partes, em um segundo momento, levam a disputa à terceiro, i.e. árbitro ou tribunal arbitral, o qual decidirá o litígio.[10] Tomando como base o exemplo da cláusula med-arb, verifica-se que essas cláusulas, independentemente de sua modalidade, representam um avanço na resolução de conflitos e disputas, notadamente, no, cada vez mais dinâmico e concorrido, âmbito empresarial. Alguns players ainda são reticentes à inclusão de tais cláusulas em seus contratos, sob a justificativa de que elas representariam apenas um obstáculo inconveniente para a resolução heterocompositiva final. Contudo, felizmente, a prática vem derrubando esse preconceito tradicionalista.


Alguns aspectos importantes devem ser considerados na hora da redação dessas cláusulas, tais como a fixação de prazos, por exemplo, de modo que a tentativa de resolução não litigiosa não se perpetue por um longo período. Outro relevante ponto é a possibilidade de anulação da sentença proferida ao final do procedimento arbitral caso o método alternativo anteriormente previsto não seja cumprido. O ponto é bastante controverso, uma vez que, ao menos no Brasil, não há jurisprudência acerca do tema. A medida mais prudente, assim, seria a realização de todos os métodos alternativos previstos na cláusula escalonada, uma vez que a contratualidade e jurisdicionalidade da convenção de arbitragem englobam todo o procedimento contido no dispositivo, nos termos do artigo 32, inciso IV da Lei Brasileira de Arbitragem.


Cumpre salientar que a única exceção à regra acima seria a necessidade de uma tutela de urgência a ser concedida pelo Poder Judiciário, desde que verificados os requisitos para a sua concessão[11].


Mesmo sendo um instrumento eficaz, a cláusula escalonada pode não funcionar, a depender dos ânimos das partes dentro do conflito, tornando-se uma courtesy trap, pois as partes poderão ser colocadas em um procedimento amigável, que não levará à resolução do conflito e implicará apenas na perda de recursos e tempo.[12]


A eficácia comprovada desse escalonamento de métodos alternativos de resolução de disputas contraria, afinal, a afirmação do genial artista russo, uma vez que, nem sempre que uma arma é apresentada, ela será disparada – ao menos no âmbito dos contratos.




[1] Advogado, pós-graduando em Direito Público pela FGV Direito Rio, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 1º Vice-Presidente do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA.


[2] Advogado, pós-graduando em Direito Societário e Mercado de capitais pela FGV Direito Rio, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.


[3] BUCKER, Maurício Brun. Gerenciamento de Conflitos, Prevenção e Solução de Disputas em Empreendimentos de Construção Civil. 2010. 178p. Dissertação (Mestrado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.


[4] SILVA, D. P. Vocabulário Jurídico, 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 526.


[5] AURÉLIO, B.D.H.F. Novo Dicionário Aurélio, 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A., v.1, 1986, p. 1838


[6] TIMM, Luciano Benetti. Análise Econômica dos Contratos.In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e Economia no Brasil. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 164.


[7] DEUTSCH, Morton. The Resolution of Conflict: Constructive and Destructive Processes. New Haven: Yale University Press, 1973.


[8] AZEVEDO, André Gomma. Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas: uma análise sob a perspectiva construtivista. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 5, abril de 2005.


[9] CASADO FILHO, Napoleão. Disputa societária e cláusula escalonada: análise de caso concreto In: PINTO, Ana Luiza e SKITNEVSKY, Karin (org.). Arbitragem nacional e internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 273.


[10] Modelo de cláusula med-arb recomendado pela AAA “In all cases where a claim or counterclaim exceeds $75,000, upon the AAA’s administration of the arbitration or at any time while the arbitration is pending, the parties shall mediate their dispute pursuant to the applicable provisions of the AAA’s Commercial Mediation Procedures, or as otherwise agreed by the parties. Absent an agreement of the parties to the contrary, the mediation shall take place concurrently with the arbitration and shall not serve to delay the arbitration proceedings. However, any party to an arbitration may unilaterally opt out of this rule upon notification to the AAA and the other parties to the arbitration. The parties shall confirm the completion of any mediation or any decision to opt out of this rule to the AAA. Unless agreed to by all parties and the mediator, the mediator shall not be appointed as an arbitrator to the case” (R-9 da Commercial Arbitration Rules and Mediation Procedures da AAA). Em âmbito nacional, o CBMA recomenda o seguinte modelo: “Todas as controvérsias oriundas ou relacionadas ao presente contrato serão encaminhadas ao CBMA - Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem para que sejam resolvidas, primeiramente, por mediação, nos termos do respectivo Regulamento. Não logrando êxito a mediação, a controvérsia será resolvida por arbitragem, nos termos do Regulamento do CBMA, por um ou mais árbitros nomeados nos termos do referido Regulamento.”


[11] Perigo de dano irreparável ou de difícil reparação e probabilidade de sucesso na demanda. (BORN, Gary. International arbitration: law and practice. New York: Kluwer Law International, 2012, p. 207-209)


[12] MOSES, Margaret L. The Principles and Practice of International Commercial Arbitration. New York: Cambridge University Press, 2008, p. 47


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