top of page

A polêmica em torno da cláusula compromissória estatutária (art. 136-A da LSA)

Ainda há muita divergência sobre a cláusula compromissória estatutária. Apesar de prevista em lei há mais de 15 anos, há uma celeuma sobre se ela vincularia todos os acionistas ou só aqueles que concordaram com a adoção da arbitragem como método de solução de disputas.

Ainda em 2002, Modesto Carvalhosa já defendia a segunda tese em artigo publicado em livro sobre a reforma feita um ano antes na Lei de Sociedades por Ações[1]. Naquela época, fora inserido dispositivo que expressamente reconheceu a possibilidade da inserção da cláusula compromissória no estatuto social das sociedades por ações.

Ao comentar tal dispositivo, Carvalhosa cita o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição. Este estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5°, XXXV da CF). Assim, depreende-se que a escolha do juízo arbitral advém da renúncia de um direito essencial – que não pode, em hipótese alguma, ser presumido ou implícito. A cláusula compromissória constitui matéria facultativa. Por isso, é estritamente necessário que haja expressa declaração de vontade. Isso vale tanto para os acionistas atuais quanto para os que ingressaram posteriormente à inserção da cláusula no estatuto.

Do outro lado, há juristas como Nelson Eizirik, que defendem que o acionista, por estar sujeito ao estatuto social da Companhia, também está vinculado à cláusula compromissória de arbitragem. Ora, o investidor supostamente avalia os estatutos antes de negociar ações. E ele deve saber que é seu dever submeter-se ao estatuto ao qual adere.

Nas Companhias prevalece a decisão da maioria. O que for decidido em assembleia deve ser acatado por todos. Por óbvio, desde que haja legalidade e ressalvados os direitos dos minoritários. Se um acionista não concordar com algo que foi aprovado, basta que venda suas ações.

Vale ressaltar que Eizirik mudou de opinião apenas recentemente. Em artigo de 2011[2] ele afirmava que a cláusula compromissória vinculava os acionistas fundadores e os que posteriormente subscrevem ou adquirem ações da companhia, mas não vinculava aqueles que votaram contra a sua inserção no estatuto.

Em 2015, houve outra reforma na LSA. Na ocasião, foi inserido o artigo 136-A[3]. Ele dispõe que a convenção de arbitragem no estatuto social vincula a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações. A inserção do dispositivo acabou intensificando ainda mais a discussão. Foi justamente enquanto essa reforma aguardava sanção presidencial que Eizirik confirmou, em entrevista ao Valor Econômico[4], a sua visão quanto ao tema: a cláusula compromissória estatutária vincula todos os acionistas.

Modesto Carvalhosa também confirmou sua posição: proferiu uma palestra em 2015[5] e publicou um artigo em 2016[6] nos quais afirmou que o art. 136-A da LSA é inconstitucional. Nessa palestra, realizada na USP, em celebração aos 800 anos da Magna Carta, o jurista chamou de “grande ironia” o fato de, justo naquele ano, ter sido sancionada uma norma que, segundo ele, fere vários princípios constitucionais herdados justamente do legado da Magna Carta.

O Prof. Jorge Lobo, em palestra realizada na EMERJ em 26 de março de 2018, criticou muito a redação do dispositivo. Segundo o doutrinador, a Lei utilizou erroneamente o vocábulo “dissidente”. Este seria aquele que compareceu na Assembleia e votou contra, de modo que o acionista que faltou não se enquadraria nesse conceito. Em decorrência disso, poderiam surgir problemas nas grandes companhias, cujos quadros acionários são pulverizados ao redor do país, ou mesmo, do mundo.

Em debate promovido pela FIESP, Lobo e Carvalhosa voltaram a clamar pela inconstitucionalidade do referido art. 136-A. Segundo eles, a norma legal, ao definir que a cláusula compromissória vincula a todos, vai de encontro ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. Antes, quando não era categórico, isso era apenas em tese. Agora, com a previsão legal expressa, os doutrinadores estão convictos que tal dispositivo é inconstitucional.[7]

Os argumentos de ambos os lados têm fundamento. Não são vociferações sem nexo, mas ideias bem construídas. Entendo, porém, que a reforma de 2015 trouxe uma solução adequada, que fica bem no meio das duas vertentes.

De fato, há grande dificuldade – para não dizer impossibilidade – em apontar quais acionistas realmente concordam com a adoção do juízo arbitral. Mas é na Assembleia Geral onde se decide todos os negócios da Companhia; o que for decidido vincula todos.

Por esse motivo, o art. 136-A, ao prever que o acionista dissidente pode retirar-se da Companhia, agrada a gregos e troianos – a maioria deles, pelo menos.

[1] CARVALHOSA, Modesto. “Cláusula Compromissória Estatutária e Juízo Arbitral (§ 3° do art. 109)”. In: Reforma da Lei das Sociedades Anônimas (org. Jorge Lobo). Rio de Janeiro 2a Edição, 2002.

[2] Cláusula compromissória estatutária – A arbitragem na companhia. Nelson Eizirik, 21/11/2011. Acesso em: 19/06/2018. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI145329,51045-Clausula+compromissoria+estatutaria+A+arbitragem+na+companhia

[3] “Art. 136-A. A aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do art. 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45.

§ 1o A convenção somente terá eficácia após o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação da ata da assembleia geral que a aprovou.

§ 2o O direito de retirada previsto no caput não será aplicável:

I - caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco por cento) das ações de cada espécie ou classe;

II - caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas “a” e “b” do inciso II do art. 137 desta Lei.”

[4] “Caso da Petrobras expõe divergências sobre arbitragem”. 21/05/2015. Acesso em: 20/06/2018. Disponível em: http://www.valor.com.br/empresas/4059590/caso-da-petrobras-expoe-divergencias-sobre-arbitragem. Acesso em: 20/06/2018

[5]Seminário da International Bar Association –“Celebrando a Carta Magna e o Estado Democrático De Direito”. 13/11/2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/palestra-modesto-carvalhosa-acesso.pdf. Acesso em: 21/06/2018

[6] CARVALHOSA, Modesto. “O direito de recesso e o inconstitucional art. 3° da Lei n. 13.129 de 2016” In: Revista de Direito das Sociedades e dos Valores Mobiliários n° 2.

[7] A cobertura do evento foi feita pelo JOTA: “Juristas divergem sobre constitucionalidade de arbitragem prevista na lei das S.A”, 25/04/2018. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/mercado/juristas-constitucionalidade-arbitragem-lei-s-a-25042018 . Acesso em: 20/06/2018


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Nenhum tag.
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page