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Arbitragem de investimento na União Europeia: ameaçada ou mais forte do que nunca?

O Tratado que pode fortalecer a arbitragem de investimento de uma maneira jamais vista

Dada a atual conjuntura política da Europa, há dois cenários possíveis para o instituto da arbitragem de investimento: ela ficará mais forte do que nunca ou pode simplesmente deixar de existir. O primeiro caso ocorrerá se a União Europeia fechar o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos. O segundo, se a burocracia da União Europeia assim desejar.

O TTIP é um tratado em fase de negociação, que visa diminuir os custos regulatórios e simplificar as regras de comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia. O acordo pode vir a influenciar mais de 800 milhões de pessoas. A promessa é a geração de 110.000 empregos em 15 anos[1]. As negociações, que estavam travadas desde 2016, voltaram à pauta com o governo Trump. O presidente americano quer acabar com todas as tarifas de importação entre as duas regiões[2].

Porém, existem severas críticas em relação ao TTIP. A maioria delas vêm da Europa, onde já aconteceram várias manifestações de rua, algumas, com a participação de centenas de milhares de pessoas[3]. As alegações mais importantes dizem respeito à proteção ambiental e aos direitos trabalhistas[4]. O argumento é que o acordo permitiria que as empresas americanas se estabelecessem em território europeu seguindo a regulação do seu próprio país, e não a europeia, que, segundo os críticos, é superior.

Não obstante, as companhias poderiam acionar, em face do país em que estão investindo, um tribunal arbitral internacional para solucionar controvérsias. Esse procedimento, conhecido como arbitragem de investimento, adviria de uma cláusula que prevê o investor-state dispute settlement (ISDS). Em outros tratados em que esse método é previsto, as regras a serem observadas geralmente são aquelas previstas pelo Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos, do Banco Mundial (ICSID) e, às vezes, pela Câmara de Comércio Internacional (ICC).

Há, na Europa, uma grande aversão a essa modalidade de arbitragem. Tratados que contêm essa cláusula já foram chamados até de “uma espécie de Sharia do Capitalismo”[5]. Existe uma crença de que ela seria confidencial e, por isso, incompatível com a democracia. Além disso, ela seria propensa a beneficiar as grandes empresas[6].

Essas críticas emanam tanto do povo quanto dos governos. A Ministra da Economia e Tecnologia da Alemanha, Brigitte Zypries, chegou a afirmar que o Governo Federal quer que os métodos alternativos de resolução de disputas sejam limitados ao mínimo possível[7].

Essa mentalidade parece ter surgido - ou se intensificado -, após a empresa sueca de energia Vattenfall ter invocado a arbitragem internacional para pedir indenização da Alemanha após o país decidir retirar todas as usinas nucleares de seu território até 2022[8].

Todavia, essas críticas não procedem. A simplificação regulatória e o fim da insegurança jurídica - e política - são grandes atrativos para o investimento estrangeiro, o que gera emprego e estimula a competitividade e a inovação[9].

O Banco Mundial e a ICC têm, asseguradamente, regras já bem consolidadas no que diz respeito ao devido processo legal arbitral. Um tribunal internacional tende a ser mais imparcial para julgar uma disputa investidor-país do que uma corte doméstica, pois é independente em relação às partes[10]. Tanto é que os números mostram que os Estados saem vitoriosos mais vezes que os investidores[11][12]. Também não é garantido que os tribunais locais vão aplicar lei internacional. Pelo contrário, eles são propensos a aplicar lei local e a favorecer o próprio país[13].

Não obstante, a arbitragem de investimento é, na verdade, transparente. Informações que vão desde o nome das partes até as decisões são facilmente acessíveis. Quem afirma o contrário está confundindo-a com a arbitragem comercial, onde é conveniente que o procedimento seja sigiloso, por causa dos temas envolvidos[14]. Além disso, se um investidor pode invocar um procedimento arbitral em face do país em que está investindo, a recíproca também é verdadeira.

Ainda assim, vale ressaltar que, em certos membros da EU, como Alemanha, um investidor estrangeiro não goza da mesma proteção jurídica de um investidor local[15]. Também nos Estados Unidos nenhuma lei federal ou estadual visa evitar que investidores estrangeiros sejam discriminados.

Isso posto, causa espanto o fato de a arbitragem de investimento ser tão demonizada na Europa. É um instituto que já existe há mais de cem anos. E é um instituto que funciona. Há milhares de tratados bilaterais - e alguns multilaterais - de proteção ao investimento em vigor[16].

O investimento é primordial para o desenvolvimento. A quantidade de capital investido per capita é o que determina a qualidade de vida em uma nação[17]. E os investidores com certeza não aplicariam o seu dinheiro em outro país sem a perspectiva de estarem protegidos.

2. A decisão que pode acabar com a arbitragem de investimento na União Europeia

Some-se às críticas a recente decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (CJEU)[18]. Em 6 de março de 2018, a Corte decidiu que a cláusula de arbitragem de investimento presente em um tratado bilateral (BIT) celebrado entre a Holanda e a antiga Tchecoslováquia em 1991 é incompatível com o direito europeu. A Eslováquia sucedeu os direitos e deveres oriundos deste acordo após a dissolução da Tchecoslováquia, em 1993. Após a abertura do mercado de seguros-saúde da República Eslovaca aos investidores privados, em 2004, a Achmea BV, uma companhia holandesa, abriu uma subsidiária para oferecer planos de saúde no mercado eslovaco. Porém, dois anos mais tarde, a Eslováquia proibiu a distribuição de lucros provenientes de serviços prestados no mercado securitário de saúde.

Assim, a empresa, sentindo-se lesada, instaurou um procedimento de arbitragem contra a Eslováquia alegando que o país havia descumprido o tratado. O local escolhido para a arbitragem foi Frankfurt am Main, Alemanha. Em 2012, o tribunal arbitral decidiu que o país deveria pagar cerca de 22,1 milhões de euros a companhia. O caso foi levado ao Poder Judiciário alemão e, em sede de recurso, o Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça alemão) consultou o CJEU sobre a validade da cláusula de arbitragem prevista no tratado e sua compatibilidade com o Direito Europeu[19].

O tribunal supranacional entendeu que a cláusula, firmada entre dois membros da UE - ou seja, intracomunitária -, priva a corte europeia do mecanismo de revisão judicial e, como os casos podem envolver direito europeu, apenas tribunais europeus teriam a competência de aplicá-lo e interpretá-lo. Em outras palavras, só cortes europeias seriam capazes de aplicar essa lei com sua “máxima efetividade”[20]. A decisão levou em consideração a autonomia e a primazia do direito europeu em relação às leis nacionais.

A Europa tem cerca de 200 tratados intracomunitários com cláusula semelhante - fora os assinados pela própria União Europeia como um todo. Essa decisão coloca todos eles em uma espécie de “limbo jurídico”[21]. Em verdade, ninguém sabe exatamente o que será do instituto da arbitragem de investimento no âmbito da União Europeia daqui para frente[22].

3. Conclusão

Como visto, o instituto da arbitragem de investimento, praticamente desconhecido no Brasil, causa bastante polêmica na Europa. Os governos nacionais, a União Europeia e, principalmente, o povo em geral tendem a demonizá-lo[23]. Porém, em sua defesa, ocasionalmente aparecem advogados, professores e demais estudiosos do tema.

É necessário que haja uma conscientização da população em torno desse instituto. Os tratados existem para encorajar o investimento. E quanto maior o investimento per capita, maior a qualidade de vida da população. Ou seja, um tratado de proteção ao investimento interessa tanto ao investidor quanto ao país.

Uma cláusula prevendo o ISDS encoraja o investimento estrangeiro e diminui a discriminação dos tribunais domésticos frente aos investidores. Frise-se que um tribunal arbitral de investimento não pode ser instaurado a torto e a direito. Deve haver real discriminação por parte do país-sede ou verdadeiro abuso por parte do investidor.

Não obstante, vale lembrar que um tratado de proteção ao investimento não é só jurídico, mas também político, podendo ser uma alternativa às medidas de Trump[24] ou à China, por exemplo. A uma, pois o investidor estrangeiro ficaria protegido de um chefe de Estado protecionista. A duas, pois ficaria imune a um governo totalitário que pode, repentinamente, surrupiar os bens que estão em seu território.

Além da mudança de mentalidade, é imprescindível reduzir a ingerência da União Europeia. O fato de Tribunais supranacionais, comandados por burocratas não-eleitos - que normalmente são desconhecidos até para os europeus - terem o primado em relação às soberanias nacionais é intolerável. O Reino Unido, com o - acertadíssimo - Brexit, já está caminhando para sair desse pesadelo. Os outros países deveriam fazer o mesmo.

[1] “TTIP explicado de forma simples”. MrWissen2go, 13/05/2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=v4y5dmpK4IM. Acesso em: 09/07/2018

[2] “Trump entendeu o comércio no G-7: todas as tarifas devem deixar de existir”. Leonid Bershidsky, Bloomberg, 11/06/2018. Disponível em:https://www.bloomberg.com/view/articles/2018-06-11/trump-got-trade-right-at-the-g-7-abolish-all-tariffs. Acesso em: 11/07/2017.

[3] “Dezenas de milhares protestam na Europa contra tratados de livre-comércio no Atlântico”. Reuters, 17/09/2016. Disponível em:https://www.reuters.com/article/us-eu-usa-ttip-idUSKCN11N0H6. Acesso em: 09/07/2018.

[4] Há também a alegação inusitada de que os EUA desinfetam frango com um “banho” de cloro e poderiam vir a vendê-lo em território europeu. O padrão de limpeza na UE seria tão alto que isso não seria sequer necessário. Mais informações em: https://kurier.at/genuss/freihandelsabkommen-ttip-was-ist-ein-chlorhuhn/71.249.733 e no vídeo supracitado.

[5]“CETA e TTIP: Acordo do Século ou Sharia do Capitalismo?”. Bernhard Schwarz, 13/07/2018. Disponível em: https://de.sputniknews.com/kommentare/20180713321537541-ceta-ttip-handelsabkommen/. Acesso em: 13/07/2018.

[6] “A praga da arbitragem internacional”. Maude Barlow e Raoul Marc Jennar, 04/02/2016. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-praga-da-arbitragem-internacional/. Acesso em: 09/07/2018.

[7] Tribunais arbitrais - à sombra da Justiça (Tratados de livre-comércio TTIP, CETA) (2014)”. wikiTHEK, 14/05/2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-mE7QcTmX-Y

[8] Uma ficha-resumo de um dos procedimentos arbitrais instaurados pela Vattenfall pode ser encontrada aqui: http://investmentpolicyhub.unctad.org/ISDS/Details/467

[9] “WEIS[S]E WIRTSCHAFT - Tratados de livre comércio e arbitragem - 1/2”. WeisseWirtschaft, 05/11/2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Aeq5jfoTE5o Acesso em: 09/07/2018.

[10] “Is Investor-State Dispute Settlement (ISDS) superior to litigation before domestic courts? An EU view on bilateral trade agreements”, 18 Journal of International Economic Law 655-677 (No. 3, 2015), p. 18. Disponível em:https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2660120. Acesso em: 07/07/2018.

[11] Segundo o “World Investment Report 2015”, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, os Estados ganham 36% das disputas; os investidores 27%; enquanto 26% terminam em acordo. Disponível em: http://unctad.org/en/PublicationChapters/wir2015ch3_en.pdf

Acesso em: 13/07/2018

[12] Na verdade, os Estados não ganham; eles só “não perdem”. Dificilmente eles recebem alguma contrapartida financeira, como uma indenização. O máximo que normalmente acontece é o tribunal arbitral dar razão ao argumento do Estado, em detrimento as alegações do investidor.

[13]“Position Paper: the “i” in TTIP. Why the Transatlantic Trade and Investment Agreement needs an Investment chapter”, p. 4. Disponível em: https://bdi.eu/media/user_upload/Artikel_1_ADI_BDI_The_I_in__TTIP_140930_1_.pdf. Acesso em: 11/07/2018.

[14] “WEIS[S]E WIRTSCHAFT - Tratados de livre comércio e arbitragem - 2/2”, à partir de 12min30seg. WeisseWirtschaft, 05/11/2016. Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=X1dBU7NRUts. Acesso em: 09/07/2018.

[15] QUICK, Reinhard. “Why TTIP Should Have an Investment Chapter Including ISDS”, p. 2014 apud BRONCKERS, Marco. “Is Investor-State Dispute Settlement (ISDS) superior to litigation before domestic courts? An EU view on bilateral trade agreements”, 18 Journal of International Economic Law 655-677 (No. 3, 2015), p. 4. Disponível em:https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2660120. Acesso em: 07/07/2018.

[16] “WEIS[S]E WIRTSCHAFT - Tratados de livre comércio e arbitragem - 2/2”, à partir de 19min30seg. WeisseWirtschaft, 05/11/2016. Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=X1dBU7NRUts. Acesso em: 09/07/2018.

[17] MISES, Ludwig von. As seis Lições, Cap. 5 - Investimento Externo. Instituto Ludwig Von Mises Brasil 7ª Edição - São Paulo, 2009.

[18] Case C-284/16: República Eslovaca v Achmea BV. Press release oficial disponível em:https://curia.europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2018-03/cp180026en.pdf.

[19] A República Tcheca, Estônia, Grécia, Espanha, Itália, Chipre, Letônia, Hungria, Polônia, Romênia e a Comissão Europeia se manifestaram à favor da Eslováquia. Por outro lado, Alemanha, França, Holanda, Áustria e Finlândia afirmaram que não apenas essa, mas todas as outras 196 cláusulas similares são válidas.

[20] Press release do caso em questão, p. 2.

[21] “A morte anunciada dos tratados de investimento intracomunitários”. Expresso, 17/03/2018. Disponível em:https://www.mlgts.pt/xms/files/Comunicacao/Imprensa/2018/Expresso__AO_FVP_e_CPC_A_morte_anunciada_dos_tratados_de_investimento_intracomunitarios_17MAR.pdf. Acesso em: 11/07/2018.

[22] Como era de se esperar, a decisão foi bastante comemorada na Europa. Até foi dito, em Portugal, em tom de ironia, que a sentença foi uma vitória contra as “arbitrariedades”. O assunto parece não ter sido comentado no Brasil.

[23] Esse pensamento parece brotar de décadas de Estado de Bem-estar Social, mas esse não é o tema deste artigo.

[24]“A resposta para Trump chama-se TTIP”. Peter A. Fischer, Neue Zürcher Zeitung, 09/06/2018. Disponível em: https://www.nzz.ch/wirtschaft/die-antwort-auf-trump-heisst-ttip-ld.1393227. Acesso em: 11/07/2018.

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