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Dez anos de inércia: Medidas de urgência no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: questões sensívei

Bernardo Diniz Accioli de Vasconcellos [i]

Se, como diria Rui Barbosa, a justiça tardia não é senão injustiça qualificada e manifesta[ii], a “justiça blitzkrieg”, por sua vez, aporta sérios riscos às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório[iii]. Visando a garantir o contraditório e a duração razoável do processo, sem que seu prolongamento acarrete extinção por perda superveniente de objeto, o Código de Processo Civil de 2015 manteve um capítulo destinado às tutelas de urgência.


A Lei da Arbitragem, a seu turno, na reforma de 2015, recebeu dois adendos ao seu artigo 22, com vistas a positivar as referidas medidas[iv]. No presente artigo, observaremos a tutela provisória de urgência de natureza cautelar ou antecipada antecedente, vislumbrada pelo art. 22-A da nova lei, isto é, aquelas medidas provisórias ou conservatórias tomadas pelo Poder Judiciário, enquanto não constituído o tribunal arbitral, e os óbices à sua efetiva aplicação no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.


Por óbvio que quem procura o Estado para uma tutela de urgência o faz – perdoe-se o truísmo – porque urgência tem. Vislumbrando na Lei as hipóteses de urgência e concedendo-lhes meio específico de tutela, é dever do Estado – aqui posto não apenas como ente da Federação, mas como a própria Federação em conjunto – garantir às suas leis vigência e eficácia. Não seria fecundo, portanto, que houvesse previsão e provisão legal neste sentido, se todas as medidas cautelares ajuizadas fossem extintas sem resolução de mérito por perecimento de seu objeto, em decorrência da morosidade do Judiciário. Logo, é visceral ao instituto das medidas cautelares que questões meramente burocráticas e supérfluas não atrapalhem seu natural desenrolar.


Foi exatamente pensando em dar celeridade ao andamento de lides envolvendo a Lei da Arbitragem que a presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro editou a Resolução 20/2010, que buscou atribuir às Varas Empresariais a competência para dirimir conflitos decorrentes da referida Lei, bem como conceder medidas de urgência na forma do Art. 22-A, de forma a garantir o objeto de procedimentos arbitrais cujos tribunais não houvessem sido constituídos. Por comodidade, reproduzem-se aqui as razões da resolução:


“CONSIDERANDO a necessidade de se buscar maior técnica, agilidade e eficiência à prestação jurisdicional, que pode ser obtida através da especialização dos juízos e que as questões submetidas a arbitragem guardam próxima relação com as matérias de competência das Varas Empresariais;

CONSIDERANDO que o art. 68, parágrafo único do CODJERJ dispõe que "O Órgão Especial do Tribunal de Justiça, mediante Resolução, fixará a distribuição de competência aos órgãos previstos neste artigo, a alteração da denominação dos mesmos, bem como poderá determinar a redistribuição dos feitos em curso nas Comarcas, Juízos e Juizados, sem aumento de despesa, sempre que necessário para a adequada prestação jurisdicional";”


Igualmente, se se vai à compilação das resoluções modificativas do antigo CODJERJ (atual LODJ), tem-se que:


“RESOLUÇÃO Nº 20/2010

Dispõe sobre a atribuição às Varas Empresariais de competência para apreciar questões relativas à arbitragem e procedimentos correlatos.”


Ocorre que em nenhum momento, a despeito de toda a intenção da Presidência do Tribunal, a Resolução efetivamente atribuiu tal competência interna às Varas Empresariais. Basta uma simples lida no texto aprovado do dispositivo para conferir:


RESOLVE: Art. 1o ‐ Inclui‐se na competência prevista no artigo 91 do CODJERJ o processamento e o julgamento das ações diretamente relacionadas às sentenças arbitrais e que envolvam as matérias previstas no inciso I do mesmo artigo.Art. 2o ‐ Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.


Ipsis litteris, não se atinge resultado idêntico ao claramente visado pela Presidência. Chega, até mesmo, a ser redundante a interpretação literal da Res. 20/2010. Isso porque o artigo 91, I, do Código de Organização e Divisão Judiciária do Estado do Rio de Janeiro[v] dispunha acerca das matérias das Varas Empresariais sem mencionar a arbitragem. Ou seja, a resolução criou dois requisitos cumulativos para a ação relacionada à Lei de Arbitragem: (i) ser relacionada a sentenças arbitrais, e (ii) versar sobre matéria empresarial. Ora, nada mais inútil. Além de negligenciar tudo o que não é sentença arbitral, a resolução foi completamente redundante: se a ação versasse sobre matéria empresarial, não importando se fosse sentença arbitral ou não, naturalmente que sua competência seria empresarial.


José Antonio Fichtner é cirúrgico no sentido de que a Resolução do Órgão Especial do TJ-RJ disse menos do que gostaria:


“Como se vê, o texto da Res. 20/2010 do Órgão Especial do TJRJ disse menos do que gostaria de dizer (lex minus dixit quam voluit), especialmente quando se refere ao “processamento e o julgamento das ações diretamente relacionadas às sentenças arbitrais e que envolvam as matérias previstas no inc. I do mesmo artigo". Na verdade, a clara intenção do dispositivo não era atribuir competência aos juízos empresariais exclusivamente para ações relacionadas às sentenças arbitrais, o que, segundo nos parece, restringiria a atuação das Varas Empresariais à execução e ações de anulação de sentenças arbitrais domésticas.” (FICHTNER, José Antonio, MANNHEIMER, Sergio Nelson, e MONTEIRO, André Luís. Medidas urgentes na arbitragem brasileira segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. In. Doutrinas Essenciais de Arbitragem e Mediação, vol. II, RT, 2014, p.91).


A partir da referida resolução, a competência interna para processar e julgar ações com base na Lei da Arbitragem virou, da noite para o dia, objeto de controvérsias, instaurando inúmeros conflitos negativos e positivos de competência, a bel-prazer dos magistrados do Tribunal.


O imbróglio quase viu um fim quando o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu sua Meta 2 para 2015. Segundo essa diretiva, cada Tribunal estadual deveria atribuir a competência para dirimir conflitos oriundos da Lei da Arbitragem a pelo menos duas de suas varas, dentre as instaladas nas capitais, transformando-as em juízos especializados nesta área[vi].


O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro recepcionou a meta com o “Parecer 12/2015”, que indicava a 5oª e a 51ª Varas Cíveis da Capital como varas especializadas em arbitragem, como informa o próprio site do CNJ[vii],[viii]. Infelizmente, o referido parecer não possui caráter vinculante e não foi posto em prática por resolução do Órgão Especial do Tribunal. De fato, a própria existência do Parecer, na prática, é inteiramente desconhecida[ix].


Na prática, como se vê, tem-se três destinos possíveis às cautelares pré-arbitrais que são, corretamente, encaminhadas para as varas empresariais, sendo:


  1. Declínio de competência para uma das varas cíveis, pela aplicação literal do dispositivo da Resolução 20/2010.

  2. Processamento natural da demanda, com consequente julgamento, pela interpretação extensiva da Resolução 20/2010.

  3. Aplicação do Parecer 12/2015, enviando as cautelares para um verdadeiro “limbo” ao encaminhar para as “varas especializadas”, que inexistem.


Em pesquisa puramente empírica realizada junto aos gabinetes das 7 Varas Empresariais do TJ-RJ pelo autor em julho de 2017, quatro delas seguem à risca da letra do LODJ (tendo uma delas recentemente mudado de posição), apenas uma interpreta extensivamente o Regimento Interno entendendo-se competente desde que haja a LArb envolvida (Uma das varas preferiu não se manifestar abertamente sobre o tema).


O Rio de Janeiro encontra-se, portanto, nesta discussão, muito atrás de outros Estados da Federação, que deram tratamento específico à matéria, destacando-se os Estados de São Paulo[x], do Acre[xi] e do Paraná[xii],[xiii].


Em terras fluminenses, o tiro decerto saiu pela culatra. A Resolução 20/2010, ao invés de pacificar o tema no Estado, criou novas fontes de debate. Com a multiplicidade de interpretações, crescem os conflitos de competência – sejam positivos, sejam negativos. E o Judiciário exacerbado posterga o mérito em detrimento de um formalismo exagerado e paquidérmico, perdendo meses e meses do ajuizamento da cautelar pré-arbitral sem que se chegue jamais a uma conclusão.






[i] Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, estagiário no Sergio Bermudes Advogados e na Civilistica.com. Membro do Comitê de Jovens Arbitralistas – CJA, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA. bernardovasconcellos@sbadv.com.br



[ii] “Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinqüente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente.” (BARBOSA, Rui. Oração aos moços: Edição popular anotada por Adriano da Gama Cury, 5ª Ed. – Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 1999, p. 40)



[iii] “O slogan da justiça rápida e segura, que se encontra sempre na boca dos políticos inexperientes, contém, desgraçadamente, uma contradição in adiecto; se a justiça é segura não é rápida, se é rápida não é segura. Algumas vezes a semente da verdade leva anos, até séculos, para converter-se em uma espiga (veritas filia temporis)”.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O direito à duração razoável do processo: entre eficiências e garantias. In: Revista de Processo, v. 223, set. 2013, Ed. RT p.50).



[iv] DAS TUTELAS CAUTELARES E DE URGÊNCIA

Art. 22-A. Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência.

Parágrafo único. Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão.

Art. 22-B. Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário.

Parágrafo único. Estando já instituída a arbitragem, a medida cautelar ou de urgência será requerida diretamente aos árbitros.”



[v] Atual Art. 50 da Lei sobre a Organização e Divisão Judiciárias do Rio de Janeiro – LODJ, que reproduziu fielmente a redação de sua antecessora.



[vi] “Atribuição de competência para duas varas cíveis, dentre as instaladas nas capitais, para processarem e julgarem os conflitos decorrentes da lei de arbitragem, transformando-as em juízos especializados nesta área.” – disponível em:

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/05/4b745d50b26aeb6683d0756c632f20d6.pdf



[vii] http://www.cnj.jus.br/corregedoriacnj/meta-de-arbitragem



[viii] O CNJ, equivocadamente contudo, menciona que as varas especializadas seriam a 51ª e a 52ª Varas Cíveis do TJ-RJ.



[ix] Para se ter uma ideia, foi necessário, para obter a versão integral referido Parecer, um processo administrativo de exibição de documentos contra o TJ-RJ. Proc. Adm. nº 2017-182304.



[x] Resolução nº 709/2015 do OE TJ/SP; disponível em https://www.conjur.com.br/dl/resolucao-varas-conflitos-arbitragem.pdf



[xi] O Tribunal de Justiça do Estado do Acre emitiu, já em 2015, a Resolução 192, que atribuiu “à 1ª e à 5ª Varas Cíveis a competência privativa de processar e julgar os conflitos decorrentes da Lei nº 9.037, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem), compensando-se a distribuição em relação às demais varas cíveis”. Disponível em:

https://www.tjac.jus.br/wp-content/uploads/2015/06/Resolução_TPADM_TJAC_192_2015.pdf



[xii] Eleonora Coelho Pitombo lembra ainda que o Estado do Paraná foi vanguardista na criação de juízos voltados para a Lei da Arbitragem, ainda que exclusivamente para o cumprimento de medidas arbitrais, muito antes da Meta do CNJ (v. PITOMBO, Eleonora Coelho. Arbitragem e Poder Judiciário: aspectos relevantes. In. GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida (coord.). Aspectos Práticos da Arbitragem. São Paulo: Quartier Latin, 2006,p. 112, nota de rodapé 14).



[xiii] Resolução nº 146, de 26 de outubro de 2015 do TJ-PR.


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