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STJ reconhece a disponibilidade do direito em disputa e reforça a vinculação dos sócios à convenção

Em recente julgado, datado de 12 de junho de 2018, em demanda versando sobre dissolução parcial de sociedade cumulada com apuração de haveres, o Superior Tribunal de Justiça – STJ trouxe à baila temas muito caros a arbitragem, quais sejam: a arbitrabilidade e a abrangência da cláusula compromissória.

Arbitrabilidade é, de acordo com a professora Benedict Fauvarque-Cosson, “l’aptitude d’un litige à faire l’objet d’un arbitrage”[1]. A Lei de Arbitragem, por sua vez, dispõe em seu art. 1º que: “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Para verificar se uma demanda é arbitrável, deve-se, então, considerar o caráter subjetivo, em relação às partes, e o objetivo, no que tange ao objeto da controvérsia.

No julgado em questão, como será visto, o STJ discutiu a respeito da parte objetiva da arbitrabilidade, analisando se a ação de dissolução parcial de sociedade cumulada com apuração de haveres, em virtude do falecimento de um dos sócios e da inexistência de entre os herdeiros e o sócio remanescente, envolve direito sucessório, indisponível, ou direito societário, patrimonial disponível.

Nesse ponto, a parte recorrente alegou ser um direito indisponível, afastando a jurisdição arbitral, visto que se tratava do conjunto de bens de uma herança, um direito de sucessão e não um direito afeto a sociedade[2]. Veja-se:

"considerando que o presente caso trata-se de direitos inerentes a sócio falecido e que o direito sucessório é indisponível, a presente controvérsia não se submete a arbitragem, de tal forma que resta clara a competência desta Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte/MG para conhecer e julgar a presente demanda"[3] (Grifos nossos)

A parte recorrida, no entanto, defendeu que o objeto da lide era vinculado às relações jurídicas de cunho obrigacional, o contrato social; que dizia respeito aos sócios e ao futuro de uma sociedade. Cita-se:

"não se discute o direito dos herdeiros do de cujus aos bens deixados, nem mesmo a capacidade daqueles de sucederem o falecido e herdarem bens"

"as questões aqui postas são afetas ao direito societário e patrimonial das partes, e não guardam nenhuma relação com o direito das sucessões"[4] (Grifos nossos)

No que se refere a abrangência da cláusula compromissória, o debate recaiu sobre a determinação de quem, de fato, anuiu com a cláusula compromissória. Isso porque, apenas as partes que tenham concordado com a submissão de eventuais conflitos oriundos do contrato ao procedimento arbitral poderão ser compelidas a participar dele, consoante disposto na Lei de Arbitragem[5].

A despeito da aparente simplicidade, as situações fáticas podem suscitar dúvidas quanto ao consentimento das partes em relação ao juízo arbitral. No caso discutido, o STJ analisou a possibilidade de se presumir o consentimento daqueles que se tornam sócios de uma sociedade com convenção de arbitragem já prevista no contrato social.

É importante, ainda, destacar o percurso do processo até o REsp nº 1.727.979. No caso, o espólio de Marco Antônio Rodriguez Diniz, representado por Lorena Rebellato Rodrigues Diniz, ajuizou ação de conhecimento em desfavor da sociedade Promass Agropecuária Ltda e da sócia remanescente. Ao ajuizar, o autor requereu a dissolução parcial da sociedade cumulada com a apuração de haveres.

A controvérsia surgiu, como se sabe, em virtude do falecimento de um dos sócios da sociedade supracitada e da ausência de entre os sucessores dele e a sócia remanescente. Em primeira instância, extinguiu-se o processo sem resolução de mérito por estar presente uma cláusula arbitral. O autor interpôs apelação, a qual foi negada, pois:

"Verificando que a ação de dissolução parcial da sociedade foi proposta com base em direitos disponíveis e com base em questões afetas à gestão empresarial, impõe-se a validação da cláusula de arbitragem instituída no contrato social, ainda que a ação tenha sido proposta pelos sucessores de um dos sócios falecidos" [6]. (Grifos nossos)

Em sede de recurso especial, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, o STJ decidiu a respeito da natureza da lide – se sucessória, pela sociedade ser um dos bens da herança, ou se societária, por envolver os interesses da sociedade – e sobre a abrangência da convenção de arbitragem constante no contrato social.

A corte superior enfrentou as teses relativas a natureza da lide, definindo-a como de direito societário, visto que o caso era pertinente a sociedade e não a herança do falecido. Vencida essa etapa, o tribunal entendeu que, por tratar-se de direito patrimonial disponível, a cláusula compromissória se impunha e, então, reconheceu a competência do juízo arbitral. Julgou, ainda, que essa cláusula vincula os sócios futuros dada a natureza una e indivisível do contrato social.

Ora, nota-se que a demanda é sobre a dissolução parcial da Promass Agropecuária Ltda. cumulada com apuração de seus haveres; logo, não há debate a respeito da repartição de bens da herança, mas sim sobre matéria eminentemente societária. Em última análise, decide-se sobre a continuidade da sociedade no de um dos sócios e não sobre a herança deixada por ele.

Sob essa ótica, a mera presença de um espólio na lide não tem o condão de transformar um direito societário, que é, por excelência, um direito patrimonial disponível, em um direito de caráter indisponível. Para finalizar essa questão da arbitrabilidade, afirma Carlos Alberto Carmona:

São arbitráveis, portanto, as causas que tratem de matérias a respeito das quais o Estado não crie reserva específica por conta do resguardo de interesses fundamentais da coletividade, e desde que as partes possam livremente dispor acerca do bem sobre que controvertem. Pode-se continuar a dizer, na esteira do que dispunha o Código de Processo Civil (art. 1.072, revogado), que são arbitráveis as controvérsias a cujo respeito os litigantes podem transigir [7]”. (Grifos nossos).

O referido autor, agora a respeito das questões não arbitráveis, complementa que:

Encontram-se fora desse âmbito, portanto, as questões relativas a direito de família, aquelas atinentes ao direito de sucessão, as que tenham por objeto as coisas fora do comércio, as obrigações naturais, as relativas ao direito penal, entre tantas outras, já que ficam estas matérias todas fora dos limites em que pode atuar a autonomia da vontade dos contendentes” (Grifos nossos). [8]

No segundo ponto, tem-se que os sócios estabeleceram, no contrato social, uma cláusula compromissória com o objetivo de solucionar, via procedimento arbitral, todos os conflitos relativos a sociedade. Nesse sentido, Francisco José Cahali e Pedro A. Batista Martins escreveram, respectivamente:

o novo acionista adere por total aos termos do contrato/estatuto social, não sendo necessária a assinatura em uma ou outra cláusula expressamente, inclusive a relativa ao modo de solução do conflito. Haverá, neste caso, anuência tácita do adquirente com a previsão de arbitragem”[9] (Grifos nossos)

“mesmo não havendo manifestação expressa, o pacto arbitral é vinculante, pois os efeitos da cláusula arbitral compromissória atingem os sucessores a título universal e singular.”.”[10] (Grifos nossos)

Dessa forma, percebe-se o quão acertada foi ao decisão do STJ ao negar provimento ao recurso especial. Isso porque, de fato, o direito demandado é concernente, exclusivamente, à sociedade e o pacto arbitral vincula tanto os sócios atuais como os futuros, a exemplo dos herdeiros do presente caso.

Da decisão, portanto, extrai-se a aplicação do efeito negativo da cláusula compromissória para afastar a jurisdição estatal e do efeito positivo para atribuir competência à jurisdição arbitral. Com essa percepção, o STJ foi certeiro quanto ao raciocínio jurídico e procurou firmar a arbitragem como um dos métodos de resolução de conflitos bem aceitos no Brasil.

Entretanto, a título de reflexão, tem-se que, apesar de bastante positivo para o instituto, há uma problemática no julgamento do recurso especial. Isso dado que, quando analisada a demanda, a corte superior não atentou para a existência da cláusula compromissória. Essa desatenção é danosa visto que, como regra, havendo uma convenção arbitral, não se admite o ajuizamento de ação perante o Poder Judiciário, exceto a tutela de urgência[11].

Caso seja ajuizada alguma ação, como ocorreu no recurso especial, deve o juízo estatal, de imediato, remeter os autos do processo à jurisdição arbitral. Isso para que o árbitro, respaldado no princípio , julgue a respeito de sua própria competência para administrar o litígio.

Pois bem, mesmo existindo esse embaraço quanto a não aplicação do princípio , o STJ mais uma vez demonstrou uma postura a favor da prática arbitral. Por essa razão, espera-se que essa mesma postura seja adotada pelos tribunais de justiça dos estados com o propósito de elevar o Brasil a um patamar de respeito e confiança necessários ao desenvolvimento econômico.

[1] B. Fauvarque-Cosson. Libre disponibilité des droits et conflits de lois, prefácio de Y. Lequette, Paris, LGDJ, 1996, p. 94.

[2] Vale ressaltar que “as consequências patrimoniais do direito de família e do direito penal são passíveis de serem submetidas ao juízo arbitral” (BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem nos Termos da Lei nº 9.307/96. 1ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 12)

[3] https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1723818&num_registro=201702190812&data=20180619&formato=PDF, acesso em 16/10/2018

[4]https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1723818&num_registro=201702190812&data=20180619&formato=PDF, acesso em 16/10/2018.

[5] Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.

§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

[6] AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1.163.215 - MG (2017/0219081-2). Acesso em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=80426798&num_registro=201702190812&data=20180228&formato=PDF, 19.09.2018.

[7] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo – Um comentário à Lei 9.307/96. 3ºed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 39.

[8] Idem, p. 38.

[9] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 5ª ed. Ed. Revista, dos Tribunais, São Paulo, 2015, p. 427.

[10] MARTINS, Pedro Antônio Batista. A arbitragem nas sociedades de responsabilidade limitada. In: ___; ROSSANI GARCEZ, José Maria (coords.). Reflexões sobre arbitragem. São Paulo: Ed. LTr, 2002. p. 135.

[11] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo – Um comentário à Lei 9.307/96. 3ºed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 268.ntário à Lei 9.307/96. 3ºed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 268.


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