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As consequências do Brexit no que concerne à Arbitragem

A saída do Reino Unido (“RU”) da União Europeia (“UE”) – ou, mais precisamente, a saga de Theresa May, primeira ministra do RU, para fazê-la passar no Parlamento britânico – tem sido um dos assuntos mais recorrentes dos últimos tempos. Muito tem sido discutido sobre quais serão as consequências do chamado Brexit – notadamente, quem vai ganhar e quem vai perder com ele.

Desde que os britânicos votaram a favor da saída, em 2016, investidores têm resgatado seus recursos dos fundos de investimento da região (o montante já passa de 20 bilhões de dólares[1]). O número de IPOs da London Stock Exchange (“LSE”) foi o menor para o início do ano desde 2009, quando se sofria o pós-crise mundial de 2008. Isso quer dizer que outros países poderiam a vir beneficiar-se do investimento estrangeiro que antes iria para o RU, como é o caso da Irlanda[2].

A questão das Irlandas é, diga-se de passagem, uma das mais controversas de todo o Brexit. A União Europeia impôs ao Brexit uma salvaguarda – o backstop – que dispõe que a Irlanda do Norte permaneceria no mercado europeu até o fim do período de transição (final de 2020). O objetivo é impedir que se crie uma barreira comercial (e de pessoas) entre a República da Irlanda (que nunca fez parte do RU) e a Irlanda do Norte, o que foi um dos motivos da sangrenta guerra civil do início do século XX. Recentemente, May conseguiu um acordo que visa impedir que a UE aplique o backstop permanentemente. Se isso acontecer, o Reino Unido poderia acionar o mecanismo da arbitragem[3].

O plebiscito do Brexit também tem movimentado o mercado de M&A. No que tange ao valor das operações, escritórios britânicos tomaram os primeiros lugares dos escritórios americanos pela primeira vez desde 2014. Isso se dá ao fato de que muitas companhias domésticas estão realizando fusões e aquisições para se proteger do futuro incerto, e escritórios locais têm a preferência das companhias listadas na LSE[4].

Neste diapasão, o futuro do instituto da arbitragem na região também é incerto e tem sido bastante debatido. A última versão da pesquisa conduzida pela Queen Mary – University of London, em parceria com o escritório nova-iorquino White & Case LLP, revela que Londres é a sede de arbitragem internacional preferida dos usuários desse serviço e que menos da metade destes acredita que o Brexit afetará negativamente a megalópole enquanto sede arbitral[5], o que se justifica pelo fato de que as principais razões que fundamentam a opinião dos entrevistados tendem a não ser afetadas posteriormente à saída do Reino Unido da União Europeia. São elas: (1) “o sistema jurídico inglês continuará a ser percebido como neutro e imparcial”; (2) “a estrutura legislativa aplicável à arbitragem e os tribunais ingleses vão continuar a ser amigáveis para com a arbitragem”; e (3) “o RU vai continuar sendo signatário da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 1958”[6]. Também vale destacar que, caso Londres venha a perder sua coroa, a maioria esmagadora acha que a próxima rainha da arbitragem internacional será Paris.

Não obstante, câmaras arbitrais de alguns países enxergaram nestes fatos recentes uma oportunidade, e têm feito reformas em suas regras, visando atrair mais usuários estrangeiros. É o caso da Vienna International Arbitral Centre (VIAC), que instituiu um International Advisory Board para auxiliar a câmara na administração de casos internacionais, e da German Institute for Arbitration (DIS), cujas novas regras foram elaboradas por profissionais advindos de várias nacionalidades. De outro lado, a Suíça está em vias de reformar as leis que regem a arbitragem no país, com o mesmo intuito dessas câmaras arbitrais.

Destarte, o instituto da arbitragem no Reino Unido, em si, não será afetado diretamente pelo Brexit. Porém, poderá sê-lo indiretamente, de duas formas distintas: no Brexit negociado ou no Brexit “no deal”. Na modalidade negociada, o Reino Unido permanecerá sob o julgo da Corte de Justiça da União Europeia (“CJEU”) até o final do período de transição, o que quer dizer que as disposições desse tribunal, tais como a proibição de anti-suit injuctions (ordem judicial que impede determinada parte de prosseguir com ou instaurar um procedimento arbitral ou judicial) e de bilateral investment treaties (“BITs”) entre países membros da UE, deverão ser seguidas até essa data. Por outro lado, uma retirada não negociada significaria que o RU poderia voltar a negociar BITs com membros da EU e que as próprias cortes britânicas poderiam voltar a decidir sobre arbitragem e, até mesmo, ressuscitar as anti-suit injuctions, o que poderia alavancar rapidamente a arbitragem na região[7].

O Reino Unido também poderá ter problemas com investidores que se sentirem lesados com as novas condições ensejadas pelo Brexit (por exemplo, os investidores poderiam alegar que perderam o fácil acesso aos mercados parceiros da UE). Por meio de tratados que preveem arbitragem de investimento, é possível que tais investidores convençam o tribunal arbitral instituído a estipular indenizações milionárias, maiores até do que os casos recentes da Espanha[8]. Pelo fato de o Reino Unido ser um dos países com maior número de tratados e acordos do mundo – mais de 14.000, incluindo 90 BITs[9] –, uma saída não negociada ou “hard” poderia resultar em uma avalanche de arbitragens de investimento[10].

Conclusão

Apesar das incertezas sobre o pós-Brexit (se ele realmente acontecer), é seguro afirmar que o instituto da arbitragem sairá favorecido com a retirada do Reino Unido da União Europeia. As vantagens de se ter Londres como sede não derivam da Lei Europeia – esta, pelo contrário, é contraproducente nesse sentido – e continuarão após a saída. Por causa das incertezas do mercado, o número de arbitragens comerciais tende a aumentar em Londres logo após a concretização do Brexit. Além disso, se o RU ficará prejudicado por não ter mais a facilidade de se relacionar com os países membros da EU, a recíproca também é verdadeira.

[1] Redação Capital Aberto, “Por causa do Brexit, investidores fogem do Reino Unido”, 21/12/2018. Disponível em: https://capitalaberto.com.br/temas/relacoes-com-investidores/brexit-investidores-fogem-reino-unido/. Acesso em: 8/4/2019.

[2] Arthur Beesley, “Is Brexit an opportunity for Irish law firms?”. Financial Times, 4/10/2018. Disponível em: https://www.ft.com/content/e4881c22-9be2-11e8-88de-49c908b1f264. Acesso em: 8/4/2018.

[3] Rafa de Miguel, “May consegue novas garantias legais da UE para tentar salvar o Brexit”. El País, 11/3/2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/11/internacional/1552335347_496815.html. Acesso em: 9/4/2019.

[4] Krishnan Nair, “US Law Firms Are Falling Behind in the UK M&A Markt”. The American Lawyer, 27/3/2019. Disponível em: https://www.law.com/americanlawyer/2019/03/27/u-s-law-firms-are-down-and-out-in-the-u-k-ma-market/. Acesso em: 8/4/2019

[5] Friedland, Paul and Professor Stavros Brekoulakis, “2018 International Arbitration Survey: The Evolution of International Arbitration”. White & Case LLP, 9/5/2018. Disponível em: <https://www.whitecase.com/sites/whitecase/files/files/download/publications/qmul-international-arbitration-survey-2018-19.pdf >. Acesso em: 8/4/2019.

[6] Dipen Sabharwal and Mona Wright (White & Case LLP), “Brexit and Beyond: Will London Still Wear its Arbitration Crown?”. Kluwer Arbitration Blog, 24/5/2018. Disponível em:< http://arbitrationblog.kluwerarbitration.com/2018/05/24/qm-survey-results/ >. Acesso em: 8/4/2019.

[7] Nicola Dunleavy, Maria Kennedy, Gearóid Carey, “What Impact Will Brexit Have on Arbitration?”. Disponível em: https://www.matheson.com/news-and-insights/article/what-impact-will-brexit-have-on-arbitration. Acesso em: 9/4/2019.

[8] Ioannis Glinavos (School of Law, University of Westminster), “ISDS: The Brexit Lawsuits the UK Should Be Worried About”. Kluwer Arbitration Blog, 31/7/2018. Acesso em: http://arbitrationblog.kluwerarbitration.com/2018/07/31/isds-brexit-lawsuits-uk-worried/. Acesso em: 8/4/2019.

[9] ICLG, “United Kingdom: Investor-State Arbitration 2019”, 13/11/2018. ICLG.com. Disponível em: https://iclg.com/practice-areas/investor-state-arbitration-laws-and-regulations/united-kingdom. Acesso em: 8/4/2019.

[10] Julien Berger, “An investment arbitration avalanche after a No-Deal Brexit?”. 21/1/2019. Disponível em: https://voelkerrechtsblog.org/an-investment-arbitration-avalanche-after-a-no-deal-brexit/. Acesso em: 8/4/2019.

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